Deixem-nos viver em Paz na nossa terra!
Fui ao aeroporto internacional Osvaldo Vieira fazer a cobertura
jornalística da vinda do jornalista português da RTP, José Rodrigues dos
Santos, que participa na próxima semana no 5° encontro das Entidades
Reguladoras da Comunicação Social dos Países e Territórios de língua
oficial portuguesa, e deparei com uma situação triste e de total
desespero que me deixou sem forças nesta sexta-feira.
Esperava
tudo, menos encontrar um companheiro de luta de malas feitas para virar
costas à sua terra natal de forma indesejável.
Um amigo de
apenas 27 anos de idade, quadro formado no Brasil, não posso revelar a
sua identidade porque assim o quis, decidiu pegar no seu diploma de
mestrado e nos parcos meios para deixar tudo para trás e dar um novo
impulso à sua vida.
Extremamente aborrecido pela atual situação
de um país literalmente parado, de falta de emprego, de falta quase
total de dinâmica na função pública, e onde só se fala da política
partidária; de um país de salários baixíssimos, com o agravante de não
serem pagos a tempo - o rapaz decidiu partir para bem longe em busca de
melhores condições de vida, ainda que o seu coração permaneça em Bissau,
como sublinhou.
Com lágrimas nos olhos, disse estar ciente de
que as coisas na Europa "também não estão fáceis", mas na Guiné-Bissau
ficara "estagnado", daí a sua preferência em continuar os estudos
académicos ou fazer outras atividades "onde der".
Chegara à
conclusão que "a crise política vigente não ficará resolvida com a
nomeação de um novo Primeiro-ministro do tal governo de consenso e
inclusivo.
" O rapaz salienta que "a legislatura está perdida e vai-se perder muitos anos nesta brincadeira".
Lembra que a idade não pára e não perdoa no tempo. Nota que pelas
reações dos atores políticos qualquer figura escolhida pelo Presidente
da República será ponto de partida para uma nova fase da crise, que, na
sua opinião, poderá ser "mais morosa e perigosa ainda".
Durante a
conversa, reparei que tinha voltado com enorme vontade de servir o seu
país, colaborando em vários projectos ligados à sua área, acabando por
apanhar uma grande deceção pelo bloqueio a que foi sujeito.
Deixou bem claro que irá bloquear-me no Facebook porque não quer saber
nada, "absolutamente nada", da política nacional. Eu apenas pude
responder: "Entendo, meu amigo de peito!"
Há dias, escrevi a história do nosso colega Júlio Pereira que é espelho de vários jovens quadros guineenses.
Há muitos jovens quadros guineenses neste dilema de viver num mundo de
incertezas; uns que foram começar do zero no estrangeiro; outros que
querem ir, mas não têm como, outros que não têm condições de partir com a
mulher e os filhos, outros que lutam dia e noite (correm atrás dos
políticos) para entrar no sistema, e ainda os que estão no sistema, mas
que constituem uma minoria insignificante para mudar o rumo dos
acontecimentos na Guiné-Bissau.
Trocamos impressões sobre a
esperança num futuro melhor para a Guiné-Bissau como forma de encorajar
outros jovens a persistirem, apesar dos sinais adversos evidenciados
pela classe política, mas mutuamente admitimos que é extraordinariamente
difícil lidar com a política vigente, sobretudo quando são muito jovens
e estão, como se diz, na "primavera da vida".
A expressão pode
ser popular, mas revela a sabedoria dos que olhando para os jovens vêem
neles apenas talentos prontos a florir e a multiplicarem-se. Ou seja,
não esperam que rapazes e raparigas tão novos sujeitem os seus talentos a
uma lenta asfixia e muito menos que os enterrem em lugar algum, dizia
um colunista português.
Quando foi chamado para se dirigir à
sala de embarque, o jovem murmurou no meu ouvido: "Esperar pela
resolução desta crise é como esperar que o mar corra para os rios".
A história do meu amigo contrasta com os apelos feitos pelas
autoridades guineenses aos emigrantes para voltarem ao país. Para virem
fazer o quê?
Haverá emprego digno?
Se os que estão cá não têm onde é que estão os empregos para os reforços?
Por exemplo para um médico que receba um salário de 4 milhões de
francos CFA na Europa, só por ser guineense deve regressar a Bissau para
vir receber 150 mil?
E trabalhar com equipamentos da década de 90?
Para um jornalista que ganhe 650 mil francos CFA na Europa, só por ser
guineense deverá regressar ao país para vir trabalhar na Rádio Nacional e
ter um salário de 60 mil?
Fica aqui a pergunta aos dirigentes
políticos: porque é que não convidam os quadros guineenses doutorados
nas Ciências Políticas a vir ajudar a endireitar as vossas políticas e
consequentemente os vossos partidos?
A sua Excelência Sr.
Presidente da República, Dr. José Mário Vaz, Chefe da Nação,
Comandante-em-chefe e Presidente de todos nós, não estou contra as suas
constantes deslocações ao estrangeiro, mas gostaríamos que visitasse
também com mais frequência as zonas rurais onde a pobreza está
acentuada e ou bairros periféricos de Bissau para conversar, sem
intermediários, diretamente com o povo. Ali terá conselhos dos anciões,
Régulos, jovens, mulheres e até crianças sobre o quão é importante
reunir consensos à volta da causa nacional. Sua Excelência estaria a
conversar com a Sociedade Civil e não a Organização da sociedade civil.
Lembro que depois do golpe militar de Abril de 2012, o antigo
representante do Secretário-geral da ONU para Guiné-Bissau, José Ramos
Horta, quebrava os protocolos, saía do escritório e descia do carro
blindado para romper as ruas das zonas mais pobres para constatar a
real dificuldade que povo atravessa no dia-a-dia.
PAIGC e PRS
porque é que não vão às vossas bases ouvir do militante anónimo o que
pensa do caminho que estão a seguir enquanto dois dos maiores partidos
políticos guineenses?
Ou reunirem os órgãos do vosso partido, que no fundo acaba por ser a mesma gente da direção, o que significa ouvir as bases?
Uma coisa é constatar no terreno e outra, bem diferente, é ouvir
através de um terceiro que muita das vezes frequenta mais a sede do
partido do que estar a par do que acontece nas bases dos partidos.
Quando forem nomeados novos membros do governo gostaria que dedicassem
horas e horas em reuniões, negociações e auscultações sobre os temas
mais importantes de desenvolvimento.
Que tenham a coragem de
apresentar e discutir propostas de soluções para a Saúde, Educação,
Ambiente, Emprego Jovem, a implementação da democracia, entre vários
outros temas. Se for preciso que sejam discussões promovidas e
transportadas desde Bissau a Conacri, passando por Bruxelas até
Washington.
Chega de governar a brincar com a vida de uma geração!
Chega de pôr interesses superiores da nação em último plano em detrimento dos interesses particulares ou de grupos!
Chega de ostentar luxos; chega de ostentar carros de alta cilindrada nas degradadas redes de estradas!
Chega de serem ricos num instante, aos olhos dos pobres da nação mais pobre do mundo!
Chega de dividir o povo para se servir do Estado!
Chega de sucessivas greves nas escolas públicas quando os vossos filhos estudam na escola Portuguesa!
Deixem-nos desfrutar desta linda fatia do Planeta Terra, que se chama Guiné-Bissau, nossa Terra, nossa Amada!
Chega de tanta vergonha e humilhação perante outros países e povos!
Deixem-nos viver na nossa terra!
E façam o favor de rasgar aquele acordo de Conacri porque se nem serve a vocês, que fará para o povo…
Respeitem o povo guineense, Senhores Homens do Estado.
Parem de nos matar já!
Braima Darame, 21.10.2016
(in: Rádio Jovem)
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