A população de Cufar, no sul da Guiné-Bissau, foge quando se pergunta sobre os voos que descarregavam cocaína na pista de aviação da aldeia e até os militares colaboram com o silêncio da população.
"Sem autorização superior" das hierarquias militares não é possível perguntar a quem vive na zona sobre o tráfico de droga. A antiga pista de aviação portuguesa de Cufar, colada à capital regional de Catió, está referenciada como uma das mais utilizadas para tráfico de droga na Guiné-Bissau ao longo da última década.
No local, o assunto é tabu: chegar à aldeia e começar a meter conversa com os residentes, perguntando por quem se recorde das aterragens, faz com que as pessoas se afastem com medo.
"Quando chegavam jipes de luxo, de alta cilindrada, pelas sete, oito da tarde, já sabíamos que ia chegar avião nessa noite", conta um dos habitantes, um dos raros que aceita falar, sob anonimato, sobre "as aterragens" que remontam a 2007.
"Os carros chegavam, mas ficavam meio escondidos", por entre a vegetação da savana. Surgiam homens que colocavam lâmpadas de 100 em 100 metros ao longo da pista e, com armas, afastavam a população.
A partir daquela altura, "ninguém podia pisar no local" até o avião aterrar e a mercadoria ser descarregada e aí de quem falasse sobre o assunto.
Ainda hoje as conversas com residentes de Cufar são interrompidas por elementos à paisana, que se apresentam como militares.
"Eles não gostam que a gente fale do assunto e não gostam de ver aqui estranhos", acrescenta o residente.
Logo depois, um militar à paisana interrompe a conversa e indica que, "sem autorização superior" não é possível continuar a fazer perguntas sobre o tráfico de droga, já que a pista é um espaço militar -- logo, reservado -- mesmo funcione como acesso principal à aldeia, onde todos passam.
"Já basta a má fama que isto tem", desabafa em crioulo, mas sem querer abordar o assunto.
Em Amedalai, Mansoa, centro do país, a estrada era cortada por militares para os aviões com droga aterrarem -- e a população mantida à distância sob ameaça de armas de fogo.
Bubaque, capital das ilhas, com uma pista sem vigilância, ou a costa de Biombo, perto de Bissau, foram outros locais que ganharam notoriedade depois de 2007 e onde os residentes, seus amigos ou familiares guardam histórias ligadas ao tráfico.
Um motorista de organizações não-governamentais (ONG), que também prefere ficar no anonimato, conheceu várias dessas histórias ao percorrer o país e recorda um homem que concretizou o sonho de uma vida: construiu a sua própria casa, em Cufar.
A única coisa que tinha que fazer era guardar material descarregado na pista da aldeia.
"Diziam-lhe que eram químicos e medicamentos e que ele não podia tocar naquilo. Podia causar problemas" -- e nunca tocou em nada, recebendo em troca 50 mil francos CFA (76 euros) por cada carregamento.
As contas finais só ele as saberá, mas o sonho concretizou-se e está à vista de todos.
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