O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) diz que Portugal violou os direitos humanos no caso de Liliana Melo a quem a Justiça mandou retirar em 2012 sete filhos para adopção. Em causa está a violação do artigo 8 da convenção dos direitos humanos (“direito ao respeito pela vida privada e familiar”) que o tribunal entende não ter sido respeitado ao terem sido afastadas as crianças da família.
O TEDH também entende que houve violação do artigo 8 “em virtude de a decisão de colocação das crianças numa instituição ter levado em conta” o facto de Liliana Melo se ter recusado a fazer uma laqueação de trompas, algo que constava de um acordo de promoção e protecção dos menores que tinha sido estabelecido pelos serviços sociais com a família, em 2009.
O TEDH aconselha ainda as autoridades portuguesas a reexaminarem o caso. E diz que o Estado deve pagar 15 mil euros a Liliana por danos não patrimoniais.
As crianças têm actualmente entre quatro e 11 anos. Seis encontram-se espalhadas por diferentes instituições de acolhimento à espera que o processo que se arrasta na Justiça portuguesa, e que está actualmente no Tribunal Constitucional, termine. Uma sétima não chegou a ser localizada pelas autoridades em 2012, quando estas foram buscar as crianças, e viverá com familiares. A mãe garantiu várias vezes que está bem.
Depois da decisão do tribunal de Sintra, de 2012, Liliana Melo, uma cabo-verdiana que reside em Portugal há mais de duas décadas, esteve impedida de visitar os filhos durante quase três anos, enquanto os seus sucessivos requerimentos e recursos corriam nos tribunais. Queixou-se, por fim, ao Tribunal Europeu por não poder visitar os filhos.
Em Fevereiro do ano passado o TEDH entendeu que o Estado tinha que criar condições para que Liliana contactasse as crianças. Agora vai mais longe: ao ter sido impedida de o fazer, apesar de várias vezes Liliana o ter solicitado, o artigo 8 da convenção foi uma vez mais violado pelo Estado português, entendem os juízes do tribunal sediado em Estrasburgo.
Liliana e a família começaram a ser acompanhadas em 2007 – Liliana tinha então seis filhos. Nascida em Cabo Verde, viera para Portugal muito nova, trabalhara como cabeleireira, mas as coisas não estavam a correr bem. A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Sintra Oriental registou que não havia maus tratos físicos na família, encontraram até fortes laços de afecto, mas a mãe não tinha emprego na altura, havia falta de higiene, problemas graves de habitação, vacinas em atraso, nem todas as crianças andavam no infantário, os miúdos tomavam conta uns dos outros, Liliana não vigiava as suas gravidezes, e M’Baba Djabula, o marido guineense, muçulmano, como ela, era também casado, no âmbito da religião muçulmana, com mais duas mulheres, uma na Amadora, outra na Guiné. Só ia a casa de Liliana duas vezes por semana.
Em 2009, ao acordo de promoção e protecção das crianças a que está sujeita a família são acrescentadas novas medidas. O marido de Liliana deve procurar trabalho remunerado. E Liliana deve provar que está a ser acompanhada num hospital, tendo em vista a laqueação de trompas, algo que sempre se recusou a fazer.
O caso é tornado público em 2013. Numa carta aberta, a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas questiona o Governo sobre se a “imposição da obrigação da esterilização” a uma mulher foi uma “decisão infeliz” dos serviços ou se insere nas “orientações políticas” actuais. A polémica em torno desta medida de protecção, que passa pela laqueação de trompas, cresce. E a presidente do tribunal de Sintra acaba por vir defender-se, na altura, em declarações à Lusa: “Não foi pela senhora não fazer planeamento familiar que as crianças foram institucionalizadas (...). Fala-se na sentença nisso, mas isso é uma questão incidental, não foi isso que determinou a sentença. Quando muito, evitaria o nascimento de outras crianças, não supriria os riscos das existentes.”
OBS. Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aconselha autoridades portuguesas a reexaminarem o caso que se arrasta na Justiça e diz que o Estado deve pagar 15 mil euros à mãe das crianças, que têm actualmente entre quatro e 11 anos e vivem em instituições de acolhimento desde 2012.
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