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Joseph Pulitzer

sábado, 19 de abril de 2014

Um país refém do cartel militar e do narcotráfico

As disputas incessantes entre a classe política e a elite militar guineense tornaram um país com potencial um dos mais pobres do mundo

 

É um país cujo passado não parece deixar margem para algum outro futuro, um país pequeno, com apenas 1,6 milhões de habitantes, e que assim mesmo ilustra na perfeição como as divisões étnicas e os jogos de poder podem favorecer uma minoria desonesta enquanto a maioria se vê entregue à miséria. No entanto, e quase quatro décadas após a independência, os guineenses mostraram no passado domingo que continuam a sonhar com a soberania democrática e acorreram às urnas em números nunca antes registados na história da Guiné-Bissau.
Saudadas pela generalidade dos observadores internacionais que as acompanharam, as eleições gerais inspiraram confiança pelo ambiente de "paz e tranquilidade" em que decorreram. Contudo, os observadores continuam cépticos de que o seu sucesso seja o suficiente para fixar um rumo que permita ao mais instável dos países de língua portuguesa combater uma situação de aviltante pobreza, com uma enorme dívida externa e uma economia que depende fortemente de doadores internacionais.
Seja como for, o passo dado no dia 13 comprova - como assinalou Joaquim Chissano, o chefe da maior delegação entre os parceiros internacionais, a União Africana - o claro desejo dos guineenses de conseguirem uma "mudança não apenas de liderança, mas da maneira de viver", e anima a perspectiva da restauração da ordem constitucional ao mesmo tempo que estimula um reforço da ajuda externa e permite amparar a economia. 

ciclo de instabilidade Muitos anos de agitação política enfraqueceram as instituições governamentais, devastaram a economia e fizeram de um país que em tempos chegou a ser dado como um modelo potencial para o desenvolvimento no continente africano um dos mais pobres do mundo, com a população a viver na miséria, altamente subnutrida e quase sem acesso a cuidados de saúde.
O impacto da crise política na sequência do golpe militar de Abril de 2012 aliado à queda a nível global dos preços da castanha de caju (principal produto de exportação da Guiné-Bissau) no mesmo ano, fragilizou a tal ponto a economia que quase metade da população ficou sem ter como assegurar a sua alimentação, com as famílias a saltarem refeições ou a serem forçadas a desfazer-se do gado para poderem sobreviver até à colheita seguinte. Um relatório elaborado em Dezembro de 2013 em conjunto pelo Programa Alimentar Mundial, pela Organização para a Alimentação e Agricultura, pelo Plano Internacional e pelo Instituto Nacional de Estatística da Guiné-Bissau constatou que apenas 7% das famílias tinham a alimentação assegurada e que 64% dos lares enfrentavam problemas graves de escassez de alimentos.
Perante o cenário de disputas incessantes entre a classe política e a elite militar, a mão da ajuda externa recolheu-se, adiando um contributo vital para a sobrevivência dos guineenses. A desconfiança em relação à capacidade dos dirigentes de assumirem um compromisso alargado para trazer paz e tranquilidade aos guineenses fica bem patente no facto de, desde a independência, em 1974, nenhum presidente ter conseguido levar até ao fim o seu mandato.
Num país muito dependente das culturas primárias e de uma agricultura de subsistência que procura ainda recompor-se da guerra civil - que, no final da década de 1990, foi responsável pela morte de milhares de pessoas, deixando tantas outras feridas ou deslocadas -, os serviços públicos desmoronaram-se e operam de forma caótica e ineficiente, os profissionais de saúde e os professores convocam greves umas atrás das outras, enquanto o tráfico de droga deixou o país à mercê das suas lutas de poder. 



os militares e o narcotráfico As Forças Armadas comprometeram-se a respeitar o processo eleitoral. Contudo, o seu historial de intromissão na vida política não dá aos guineenses motivo para confiarem nas suas promessas. Há dois anos, entre a primeira e a segunda volta das presidenciais, o exército silenciou a população e fez cair o governo de Carlos Gomes Júnior - líder da principal formação política do país, o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) -, na sequência do triunfo com quase 49% dos votos e quando tudo apontava para a sua eleição como presidente.
A perspectiva que ameaçava as Forças Armadas era a de uma reforma nas suas hierarquias, planeada para reduzir a influência da etnia balanta - a maior do país, representando um quarto da população guineense - na estrutura militar. É pouco provável que Nuno Nabiam, um independente da etnia balanta ao qual são atribuídas ligações à cúpula militar, consiga vencer o candidato do PAIGC, José Mário Vaz. Não há nada, portanto, que faça prever que desta vez os militares irão respeitar a vontade popular. O que parece claro, como sublinhou Elisabete Azevedo-Harman, investigadora associada do think tank britânico Chatham House, é que a reforma das Forças Armadas se mostrou uma prioridade "crucial não apenas devido à permanente interferência dos militares na política do país, mas também devido ao problema do narcotráfico".
A Guiné-Bissau tornou-se um pólo no esquema de contrabando de cocaína da América Latina para a Europa, com as Forças Armadas a operarem como cartel, enquanto os seus líderes enriquecem e garantem que o país não tem condições de encontrar uma solução política que possa contrariar o seu esquema negocial. Isto leva hoje grande parte dos analistas a defenderem que não há verdadeira esperança para a pequena ex-colónia portuguesa se não houver um compromisso internacional que resgate a população do aperto que lhe impõe o exército. 

( Por: Diogo Vaz Pinto)
 

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