Dos 20 países que mais crescem no mundo, 10 estão na África. Em 2015, o continente (que tem menos habitantes do que a China) terá o mesmo nível de crescimento do gigante asiático. Esses números, citados pelo representante da Comissão Económica das Nações Unidas para África , Carlos Lopes, se apresentam no actual contexto do continente africano sinalizando avanços, mas também a necessidade de um crescimento de qualidade.
“Os africanos estão tomando consciência de que precisam de uma estratégia de desenvolvimento industrial e de que só vão conseguir implementar essa estratégia com o controle do seu financiamento. Isso significa que os governos devem ter uma capacidade, uma sofisticação maior em relação aos seus recursos próprios e, nesse sentido, há vários elementos em processo de mudança”, contou, em entrevista exclusiva ao Centro de Informação das Nações Unidas para Brasil (UNIC Rio de Janeiro), Lopes, secretário-executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África (CEA).
Dentre esses elementos, Carlos lista a forma como os bancos centrais vem gerindo suas reservas, a introdução de medidas que permitam melhor utilização de remessas de migrantes – responsáveis pelo movimento de 62 bilhões de dólares por ano – e o aumento da quantidade de investimento estrangeiro por meio de incentivos de varias naturezas. Mas o ponto chave para ele é a reformulação dos regimes fiscais, que ainda impedem um maior avanço da África.
“O primeiro grande problema é que os africanos dependem muito das taxas aduaneiras, mas a gestão das taxas é muito ineficiente. No geral, aquilo que é declarado na saída da África e o que é declarado em outros países de destino é muito diferente. Existe uma enorme desproporção. Todo esse dinheiro perdido poderia ser recuperado, com melhores taxas aduaneiras”, ressaltou o secretário-executivo, que nesta quinta-feira (23), em São Paulo, durante a palestra Desafios para a África no século XXI, no lançamento do Conselho África do Instituto Lula.
Além das taxas, acredita Lopes, outro obstáculo a ser superado é o da pressão fiscal sobre as actividades económicas, que, na África, está entre as mais baixas do planeta. Ele chama atenção para o problema que fica ainda mais sério porque, à medida que as economias africanas vem crescendo, a fiscalização não cresce na mesma proporção. Desta forma, o que acontece é que as pessoas estão pagando menos impostos em vez de pagarem mais.
“Esse cenário de descompasso é moldado por três principais factores. Em primeiro lugar, há um problema de capacidade, das competências dos países africanos para fazer a esse controle fiscal. Poucos como a África do Sul, por exemplo, tem um sistema elaborado para esse serviço. O segundo ponto seria a precariedade na negociação, já que há pouca tradição de elaborar contratos entre os africanos, o que acaba resumindo as diferentes actividades à compra e venda”, disse Lopes, completando que, para fechar o trio desafiador, ainda existe a corrupção que tira pelo menos 50 bilhões de dólares do continente todos os anos.
No último ano, uma epidemia ameaçou balançar as bases da economia africana. Há sete meses, quando o ebola atingiu em cheio a Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa, uma onda de pessimismo tomou as páginas dos jornais de todo o mundo. Há poucos meses, as previsões de afectados pelo ebola eram devastadoras e o impacto na economia da região também parecia ser avassalador.
As previsões chegaram a citar 1 milhão de afectados, mas na verdade, o número de vítimas foi de 26 mil (com cerca de 10 mil mortes), segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A desproporção também pode ser abordada na economia, que especulava uma perda de 32 bilhões de dólares até o final de 2015 para a região afectada, de acordo com o Banco Mundial. Na verdade, a perda chegou a 3,6 bilhões de dólares.
“Por conta do ebola, criou-se uma impressão de desespero, de que os impactos seriam gigantescos. Hoje, passados sete meses, chegamos à conclusão de que foi um exagero”.
Em busca do crescimento qualificado
No seu trabalho à frente da Comissão, Lopes conta que o objectivo não é levar a agenda da ONU para a África, mas levar a África para a agenda da ONU. Nesse caminho, foi estabelecida a Agenda 2063, um plano de 50 anos para o desenvolvimento da África, que pode ser considerado um chamado de acção para todos os segmentos da sociedade africana com o propósito de construir uma África próspera e unida.
“Continuaremos no caminho para uma industrialização tardia, que precisa ser diferente daquela que conhecemos. Temos a divida mais baixa de todos os continentes e uma inflação abaixo dos 7%, mas por que não se fala sobre isso no mundo? Porque o pessimismo que envolve a África é maior do que a realidade do continente”, ressaltou, lembrando que dos 1,1 bilhão de habitantes, apenas 100 milhões de africanos são atingidos por conflitos em todo o continente. Esse número é metade dos 200 milhões atingidos na Ásia, actualmente.
Para concretizar esse objectivo, o representante da ONU fala sobre um formato autêntico de crescimento que se daria por uma transformação. Negociando com países de diferentes partes do mundo, principalmente fora da Europa, o continente africano, que em 2050 deverá alcançar os 2 bilhões de habitantes, tem hoje o direito de escolha, diferentemente do passado, quando seus parceiros eram restritos aos antigos colonizadores.
“Isso significa que estamos querendo o aumento da produtividade agrícola, o aumento da industrialização, a transformação da economia informal em formal, uma economia legal! Se fizermos essas coisas, teremos um crescimento com qualidade.”
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