Excelentíssimo Sr. Murade Isaac Miguigy Murargy, Secretário Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
Excelentíssimo Sr. Georges Rebelo Pinto Chikoti, Ministro das Relações Exteriores da Angola
Excelentíssimo Sr. Mauro Luiz Iecker Vieira, Ministro das Relações Exteriores do Brasil
Excelentíssimo Sr. Jorge Homero Tolentino Araújo, Ministro das Relações Exteriores de Cabo Verde
Excelentíssimo Sr. Mário Lopes da Rosa, Ministro dos Negócio
Estrangeiros, Cooperação Internacional e das Comunidades da Guiné-Bissau
Excelentíssimo Sr. Oldemiro Júlio Marques Baloi, Ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique
Excelentíssimo Sr. Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete, Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros de Portugal
Excelentíssimo Sr. Manuel Salvador dos Ramos, Ministro dos Negócios
Estrangeiros, Cooperação e Comunidades de São Tomé e Príncipe
Excelentíssimo Sr. Hernâni Coelho, Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros e Cooperação do Timor Leste
Excelências,
As organizações signatárias desta carta lamentam profundamente que a
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) tenha aprovado a
adesão da Guiné Equatorial como Estado membro de pleno direito durante
sua última Cúpula dos Chefes de Estado sem uma avaliação rigorosa do
histórico deplorável dos direitos humanos neste país africano. Dada
nossa preocupação, nós respeitosamente convidamos a CPLP a realizar
uma missão pós-Cúpula independente e imediata no país, com a
participação de representantes da sociedade civil, com a finalidade de
avaliar a situação in loco e formular recomendações formais para a sua
melhoria ao Governo da Guiné Equatorial.
A CPLP, enquanto fórum multilateral, declara seu compromisso com o
primado da paz, da democracia, do Estado de direito, dos direitos
humanos e da justiça social. Como tal, acreditamos que a CPLP pode e
deve assegurar que o Governo da Guiné Equatorial cumpra com esses
compromissos e que dê passos concretos e verificáveis para incentivar activamente a adesão do governo da Guiné Equatorial a estes princípios, monitorizando-a de forma independente.
O artigo 6 º do Estatuto da CPLP afirma que a adesão está aberta a
"qualquer Estado, desde que tenha o português como língua oficial,
mediante a adesão sem reservas aos presentes estatutos". Segundo
entrevista concedida ao jornal Voz da Rússia, em março de 2014, vossa
Excelência Murad Murargy afirmou que as tentativas anteriores da Guiné
Equatorial para tornar-se um membro pleno da CPLP têm falhado "porque
havia ainda percepção de que o país não tinha condições em termos de
valores e princípios da nossa organização, respeito dos direitos humanos
e outros. Também não havia um instrumento que pudesse permitir que
fosse feita uma avaliação." [1]
À luz desta afirmação, acreditamos que uma missão independente à
Guiné Equatorial permitiria à Comunidade verificar a situação no terreno
e julgar por si mesma se o país de fato atende ao requisito de
respeitar e promover os direitos humanos consagrados no Estatuto do
Fórum. Ademais, permitiria uma avaliação de quais seriam as mudanças
práticas, em termos de direitos humanos, na Guiné Equatorial necessárias
para manter sua adesão na Comunidade. Tal avaliação proporcionaria uma
oportunidade para os membros atuais revisarem se a entrada foi
apropriada e, se não for o caso, quais mudanças seriam necessárias.
Tomamos nota de que as violações dos direitos civis e políticos e económico-sociais na Guiné Equatorial têm sido bem documentadas,
inclusive por meio do mecanismo de Revisão Periódica Universal no
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra. As
liberdades de expressão, de associação e de reunião são severamente
restritas no país. A oposição política é frequentemente submetida à
detenção arbitrária, intimidação e assédio. O direito ao devido processo
é rotineiramente desrespeitado. Advogados e outros que visitam centros
de detenção relatam que sérios abusos continuam, incluindo espancamentos
que equivalem à tortura. Apesar de ter recursos abundantes graças às
receitas do petróleo, o governo não cumpre suas obrigações de direitos
sociais e económicos. Essas receitas dos recursos naturais financiam
estilos de vida luxuosos para a pequena elite em torno do presidente,
enquanto uma grande parte da população continua a viver na pobreza. A má
gestão de fundos públicos e alegações credíveis de corrupção de alto
nível persistem.
Apesar da gama de questões de direitos humanos no país, o único
pré-requisito publicamente declarado para a adesão da Guiné Equatorial,
como apresentado na mídia por vários funcionários dos países da
Comunidade anteriormente à adesão como membro, é a adopção de uma
moratória sobre a pena de morte. Lamentavelmente, uma moratória fica
aquém da norma definida pelos atuais membros da Comunidade. Além disso,
há razões para temer que fora prematura a determinação de que o governo
da Guiné Equatorial estaria cumprindo esta condição. A ordem
presidencial emitida em fevereiro 2014 só determinou uma suspensão
temporária à pena de morte. Além disso, a organização não-governamental Amnistia Internacional informou que, duas semanas antes da emissão da
ordem presidencial, o Estado secretamente executou quatro detidos,
podendo este número chegar até nove. Até onde sabemos o Governo não
negou esta informação, nem forneceu qualquer evidência de que as pessoas
identificadas pela Amnistia Internacional como tendo sido executadas
permanecem vivas. Há o temor de que as execuções relatadas tenham
ocorrido pouco antes da reunião de ministros das Relações Exteriores da
CPLP, na qual foi recomendada a admissão da Guiné Equatorial com base no
anúncio do Governo de uma moratória. Em nossa opinião, as execuções
comprometem seriamente o compromisso declarado do governo de abolir a
pena de morte. Outro indício da falta de compromisso é a suposta
execução extrajudicial, com o consentimento tácito do Governo, de
Maximiliano Abeso Abeso, em maio de 2014.
Ademais, notamos que, embora uma ordem presidencial de moratória
sobre a pena de morte tenha sido apresentada como um primeiro passo para
a sua abolição, esta é reversível e não tem a autoridade normativa para
substituir os códigos militares e penais, nem a Constituição Nacional.
Alternativamente, o que sim demonstraria um verdadeiro compromisso com
os direitos humanos é a adoção de uma lei formal, que altera cláusula A
do artigo 13 da Constituição Nacional, que sanciona o uso da pena
capital. Além disso, a Guiné Equatorial assinou o segundo protocolo do
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos em 1987, e a sua
ratificação seria um passo importante para abolir a pena de morte.
Portanto, pedimos que Vossas Excelências façam gestões junto ao Governo
da Guiné Equatorial, como Portugal e Moçambique fizerem durante a
segunda passagem da Guiné Equatorial por meio do mecanismo de avaliação
pelos pares do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, a tomar
novas medidas para abolir a pena de morte, como todos os outros Estados
membros da Comunidade já fizeram.
No passado, o governo do presidente Obiang não honrou as promessas
feitas referente à melhoria da situação dos direitos humanos. Em 2010, o
governo concordou em implementar dezenas de recomendações emitidas
durante a primeira passagem da Guiné Equatorial no processo de Revisão
Periódica Universal. Mas o governo de Obiang tem feito avanços muito
limitados para a realização destes compromissos, por isso muitas das
mesmas recomendações tiveram que ser repetidas, durante a segunda
passagem do país pelo mecanismo de revisão da ONU em 2014.
Por fim, esperamos que a CPLP acate nossas demandas para realizar imediatamente uma missão
independente que resultará na elaboração de um roteiro com
recomendações concretas que busquem melhorar a situação dos direitos
humanos na Guiné Equatorial. Ao fazer isso, a CPLP estaria à altura de
seu mandato e prestando um grande serviço aos cidadãos da Guiné
Equatorial, contribuindo concretamente para a promoção da dignidade
humana e do Estado de direito no país.
Respeitosamente,
Juana Kweitel
Diretora Executiva Interina
Conectas Direitos Humanos
Maria Laura Canineu
Diretora Executiva
Human Rights Watch
Tutu Alicante Leon
Diretor Executivo
Brasil EG Justice
Carta enviada em 31 de março de 2015
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