Na abertura, na manhã desta terça-feira, do Seminário Diplomático organizado no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros, António Guterres, até há dias alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), foi peremptório. “Vivemos num mundo caótico”, disse a uma plateia de embaixadores, diplomatas e altos funcionários, no auditório principal do Museu do Oriente, em Lisboa.
“A capacidade internacional de parar conflitos diminuiu”, reconheceu António Guterres. A consequência surgiu, depois, seca, directa e sem rodeios. “Vivemos num mundo caótico, de imprevisibilidade, com proliferação de conflitos, mais violações de direitos humanos”, denunciou.
“Os massacres têm hoje maior visibilidade, o que choca com a incapacidade da comunidade internacional em responder”, analisou. Ou, como de forma menos analítica mas igualmente certeira definiu: “Os ricos só dão pelos pobres quando os pobres entram na casa dos ricos”. A experiência do ex-responsável da ACNUR levou-o a essa constatação.
Para além das imagens, estão os dados. “A evolução dos movimentos humanos na última década é preocupante, passámos de 36 milhões de deslocados no mundo por conflitos – um terço dos quais refugiados – para 60 milhões no final de 2014”, recordou.
Existem outras estatísticas, não menos preocupantes, como o número de deslocados por dia e por conflito: em 2010 eram 11 mil/dia; dois anos depois 32 mil; em 2014, 42,5 mil. Os números ainda parcelares relativos ao ano passado não tranquilizam. No primeiro semestre de 2015, houve um aumento de 5% do número de refugiados e em mais de 80% de pedidos de asilo.
“A tendência para o agravamento mantém-se”, prognostica António Guterres. Na verdade, recordou, desde as Primaveras Árabes multiplicaram-se novos conflitos e os velhos persistem. “Há uma desestabilização de vastas áreas do mundo subtraídas ao progresso económico e social”, relatou. Até porque, como destacou, há uma ligação entre os movimentos das populações, a instabilidade e o terrorismo global.
“Os conflitos passaram a ter uma multiplicidade de actores – forças militares, milícias religiosas, étnicas, de bandidos – e este clima de risco dificulta o acesso [das organizações humanitárias]”, admite. “Os actores do conflito não tendem a respeitar os actores humanitários”, prossegue. O corolário só podia ser um. “A agenda dos direitos humanos tem vindo a perder terreno”, embora a questão dos refugiados esteja em primeiro plano desde a Primavera do ano passado.
O caos actual é multifacetado, tem várias dimensões e patamares. Guterres sintetizou a questão em alguns tópicos: conflito; movimentos de população; urbanização caótica; segurança alimentar; escassez de água; alterações climáticas.
Sair deste círculo vicioso não é fácil. O antigo alto comissário para os Refugiados defende o restabelecimento da diplomacia para a paz na cena internacional. “Mas ainda há países convencidos que são capazes de ganhar guerras”, lamentou. O aumento de recursos – admitiu a necessidade de os duplicar – e a articulação entre as organizações humanitárias e as de cooperação e desenvolvimento são outros pontos da necessária mudança.
O papel da União Europeia (UE) na crise dos refugiados foi criticado. “Na UE, os países estão a agir individualmente”, constatou. “Depois do Inverno, pode haver um colapso do regime europeu de asilo”, prognosticou.
(in: Publico)
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