40 ANOS DE IMPUNIDADE GUINÉ-BISSAU:
CAUSAS E TIPOLOGIA
A
 impunidade na Guiné-Bissau tem causas estruturais relacionadas com a 
fragilização do Estado, em particular no sector da Justiça, de que é 
exemplo a fraca cobertura territorial das instâncias judiciais. Padrões 
culturais, alguns de origem recente mas outros com raízes profundas nos 
valores reconhecidos pelo todo ou por parte da sociedade guineense, 
acentuaram ou deram espaço ao agravamento da impunidade. Isso fica, 
aliás, bem claro em várias análises recolhidas no âmbito deste estudo, 
onde se questiona a persistência do culto da violência, o prestígio o 
mais forte ou a relativização de direitos fundamentais diante de 
preceitos e preconceitos de grupo (sejam eles de base religiosa, 
ideológica, étnica ou outras).
A
 instabilidade política e a situação de anormalidade constitucional 
acrescentaram factores conjunturais à impunidade, como ilustra de forma 
cabal o vazio de mandato do Procurado-geral da República. As relações 
entre poder político (sobretudo dos dois maiores partidos, PAIGC e PRS),
 poder judicial e Forças Armadas, com a interferência crescente dos 
militares nos assuntos de Estado, são também causas importantes da 
impunidade no país. Antes de aprofundar as reflexões recolhidas sobre a 
impunidade e de traçar a sua tipologia segundo os resultados do 
inquérito da LGDH, façamos uma lista breve das ideias mais consensuais 
no conjunto das entrevistas realizadas:
· A impunidade é a falta de aplicação de uma sanção prevista para a violação de     uma determinada regra de vida em comum;
· A impunidade é um privilégio de poder ou de relação: «Sabes quem eu sou»;
· «Militares»
 e «políticos» são apontados num maior número de entrevistas como 
principais responsáveis pela impunidade reinante no País mas integrados 
numa sociedade que valoriza a matchuindade e «a lei do mais forte»;
· A impunidade reflecte-se mais abertamente na inoperância do sector da justiça;
· Outra
 dimensão da impunidade é relacionada com a generalização da corrupção e
 com a estratificação entre o poder do dinheiro de alguns e a extrema 
fragilidade económica da maioria;
· A sociedade guineense tem valores que facilita(ra)m o agravamento da impunidade;
· A
 justiça é exercida cada vez com mais frequência pelas forças de 
segurança (Polícia ou Forças Armadas); vigora na prática o princípio da 
«presunção da culpa» e do favor ao primeiro queixoso;
· O
 falhanço do Estado em providenciar justiça abriu espaço à reemergência 
da justiça tradicional e a formas de defesa popular do tipo milícias e 
vigilantes:
· A
 má gestão ou inexistência de mecanismos pacíficos de resolução de 
conflitos tem aumentado o risco de etnicização de disputas comunitárias;
· Falta hoje aos guineenses uma referência comum;
· A
 impunidade agravou-se a partir de 1980; por isso, a Guiné-Bissau 
enfrenta não apenas o desafio da reforma das instituições mas de 
refundação de uma ordem constitucional que sofre há três décadas de 
ataques sucessivos.
In
 estudo sobre 40 anos da impunidade na Guine-Bissau desenvolvido pela 
LGDH em parceria com ACEP, com apoio financeiro da União Europeia

 
 
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