Um médico que fugiu do Irão no tempo de Khomeini, um alemão pacifista e uma austríaca que passou fome após a II Guerra Mundial realçam a integração na sociedade portuguesa sem queixas de xenofobia.
Nascida em Viena, Gertrude vive há 65 anos em Portugal e tinha 15 quando saiu pela primeira vez do seu país, em 1948, a bordo do navio "Moçambique". Mais de 3.000 crianças desamparadas desembarcaram em Lisboa, no âmbito de uma iniciativa da Cáritas Internacional. Gertrude veio com uma irmã, que já tinha estado em Portugal, em 1946.
"O meu pai tinha voltado da guerra, após dois anos e meio preso num campo de concentração americano", refere.
Chegaram na véspera do Dia do Trabalhador, geralmente aproveitado para acções de contestação à ditadura.
"Já não pudemos sair do barco nesse dia", recorda. A Áustria estava ainda soterrada pelos escombros do conflito mundial.
Um casal sem filhos residente em Elvas acolheu Gertrude. O homem era gerente do balcão local do Banco de Portugal.
"Eu, que lá passava fome de cão, cheguei cá e tinha criada para me servir, comia tudo o que me apetecia", afirma Gertrude Fernandes à agência Lusa, revelando que algum tempo depois voltou a Viena.
Mas não tardou a fixar-se definitivamente em Portugal. Com algumas compatriotas da sua condição, Gertrude, que nega ter sido refugiada, foi um dia recebida em audiência por Salazar.
Acompanhadas por um advogado, disseram que desejavam obter a nacionalidade portuguesa.
"Casem com um português e são logo portuguesas", recomendou o ditador.
E assim foi com todas. Em 1958, Gertrude casou-se com João Fernandes, mais tarde delegado do Inatel em Coimbra e líder distrital do PS, passando o casal a viver nesta cidade.
Ela aprendeu a falar, ler e escrever Português com os pais adoptivos, aos quais as filhas vieram a chamar avô e avó.
Gertrude esteve 40 anos sem visitar a Áustria, onde voltou para assistir ao doutoramento da filha Maria Gabriela, casada com um austríaco e directora executiva de uma universidade nos arredores de Viena.
"Não troco Portugal por nada, ninguém me tira daqui", assegura, por seu turno, Mohammad Pourfarzaneh, de 53 anos, natural de Teerão, dono de uma clínica dentária que fundou com a mulher, em Oliveira do Hospital.
Mohammad, Hamid para a família e os amigos, tinha 21 anos quando fugiu do Irão, em 1983, ao lado do melhor companheiro de infância, Reza, ambos com a ajuda de paquistaneses que lhes forneceram passaportes falsos.
Quando se instalaram em Coimbra, a Revolução Islâmica liderada pelo aiatola Ruhollah Khomeini estava ao rubro na antiga Pérsia.
A guerra entre o Irão e o Iraque de Saddam Hussein eclodira em 1980.
"Eu adorava a vida estudantil, era bom aluno e as universidades estavam encerradas por causa da guerra", conta Hamid à Lusa.
O objectivo inicial do jovem, que obteve a licenciatura na Universidade do Porto, e do amigo, era chegar aos Estados Unidos.
Após sucessivas ameaças dos "guardas da revolução" e uma primeira viagem de avião de Teerão para uma cidade junto à fronteira com o Paquistão, apanharam outro voo deste país para Istambul, na Turquia, onde foram detidos.
Sempre munidos dos passaportes falsos, chegaram a Lisboa, depois de uma paragem na Suíça, onde tentaram pedir asilo político, cujo insucesso se repetiu em Portugal.
Ainda em Coimbra, conseguiram autorização de residência provisória. Hamid concluiu o curso de Medicina Dentária, trabalhando ao mesmo tempo.
"A integração foi extremamente agradável e não tive problemas de xenofobia, antes pelo contrário", salienta.
Um conflito com contornos diferentes, a Guerra Fria, que opôs o Ocidente e a antiga União Soviética, levou o alemão Detlef Shaft a uma espécie de exílio ideológico e cultural.
Palhaço de profissão, o director da Companhia Marimbondo, da Lousã, tem 60 anos, mais de metade a viver em Portugal.
Na Alemanha então dividida, integrava ações contra a ameaça nuclear e a corrida armamentista, muitas vezes reprimidas pela polícia.
"Não me sentia nada bem" na ex-Alemanha Federal, reconhece Detlef, que teve uma integração "muito fácil" na sociedade portuguesa.
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