Domingos Simões Pereira falou com exclusividade à Rádio ONU sobre a sua viagem às Nações Unidas.
Rádio ONU: Qual é a sua mensagem para o Conselho de Segurança da ONU?
Domingos Simões Pereira: Nós vimos a Nova Iorque
desta vez com três expectativas sobre a nossa participação no Conselho
de Segurança, no Grupo de Contacto para a Guiné-Bissau, mas também da
nossa participação na Comissão de Consolidação da Paz para a
Guiné-Bissau. Em relação ao Conselho de Seguranças, nós vimos aproveitar
esta oportunidade para, ao celebrar o regresso da Guiné-Bissau a este
concerto das nações, agradecer todo o esforço que as Nações Unidas têm
mobilizado porque durante o longo período de instabilidade que o nosso
país viveu, as Nações Unidas tiveram a Guiné-Bissau na sua agenda e
desenvolveram esforços no sentido de nos apoiar para o retorno à ordem
constitucional.
Portanto, em nome do Governo, mas certamente do Presidente da
República e de todo o povo guineense, eu venho apresentar estes
agradecimentos. Mas também venho dar o nosso sentimento, partilhar da
nossa visão sobre a Missão da Uniogbis, que pensamos que continua a ser
relevante, e portanto, importante manter-se na Guiné-Bissau.
Achamos que todo o esforço internacional de parceria com a
Guiné-Bissau deve contar com a coordenação da Uniognis. Achamos que as
Nações Unidas são a entidade melhor posicionada e vocacionada para
garantir esta coordenação sem diminuir a importância de cada um dos
outros atores internacionais tanto multilaterais como bilaterais.
Mas desta vez, queremos também chamar a atenção por duas situações
muito concretas. Primeiro: já se fazem sentir de forma muito direta as
alterações climáticas no nosso país. Este ano, a chuva, a pluviometria
foi muito baixa e a sua distribuição vai prejudicar, de forma bastante
acentuada, a produção agrícola. Não só em relação ao nível das águas do
mar que alargaram parte importante da zona de produção do arroz, como
também em relação às próprias culturas, que são tradicionais no país,
que perante à escassez tiveram dificuldade em se desenvolver. Nós vamos
que ter que estar atentos a eventudalidades de surgimento de escassez de
alimentos. E isso é uma atenção que temos que trazer ao Conselho de
Segurança. Por outro lado, a questão da prevenção do ébola. Nós temos
feito um trabalho bastante sério, bastante dedicado, mas nós não podemos
iludir a fragilidade das nossas instituições sanitárias e portanto
quando instâncias internacionais nos apelam no sentido de não restringir
a circulação de pessoas sobretudo nos espaços transfronteiriços, nós
esperamos que as medidas não fiquem por aí e que haja mecanismos de
acompanhamento para garantir que não se aumentem os níveis de
contaminação.
RO: Estamos a falar num momento em que uma missão da OMS está
no país a avaliar o nível de preparação da Guiné-Bissau para um
eventual surto. Como é que acha que o seu país está preparado para
encarar esta situação?
DSP: Nós avaliamos positivamente o trabalho que
temos feito e esta missão da OMS. Mas nós continuamos a achar que todo o
nosso empenho, toda a nossa dedicação tem que ser colocada para evitar a
entrada do surto. Nós não podemos esperar que de um dia para o outro, a
nossa capacidade de resposta a uma situação desta melhore
exponencialmente. Temos que continuar a priorizar ou evitar a entrada do
ébola. Por isso é que eu digo que perante a indicação da Cedeao de que
nós devemos levantar quaisquer restrições à circulação de pessoas aos
espaços transfronteiriços, nós vamos continuar a trabalhar no sentido de
acompanhar estas medidas, mas nós esperamos que se encontrem outros
mecanismos complementares para evitar um aumento de exposição.
RO: Alguma situação ou proposta em vista?
DSP: Repare, a nossa fronteira sul é uma fronteira
muito permeável porque é utilizada de todas as formas, há muitos
pedestres que fazem esta travessia. Por isso, nós pensamos que temos
vindo a fazer um controle bastante restrito. E todos aqueles que
atravessam para a nossa fronteira são sujeitos a uma quarentena. Se nós
levantarmos esta quarentena, esperamos ter a capacidade de, no momento
desta travessia, estarmos melhor equipados para fazer este rastreio
porque não podemos correr o risco de não acompanhar esta situação.
RO: Primeiro-ministro, a situação da consolidação política
foi a que mais debates levantou no Conselho de Segurança em relação à
Guiné-Bissau. Como é que está? Continua a ser uma preocupação para o
governo do país?
DSP: Com certeza. A consolidação da estabilidade
política é um desafio que nós temos que enfrentar permanentemente e
esperamos ser capazes realmente de ganhar. Eu penso que a principal
alteração que se tem vindo a registar é que, de forma crescente, os
guineenses compreendem e assumem que vamos conseguir de facto estes
resultados, dependendo de nossa capacidade interna de produzir
compromissos e trabalharmos juntos. Eu registo, compreendo e até
respeito a posição daqueles que criticam o facto de nós nos termos
aproximado da oposição, termos feito um governo de inclusão, de termos
continuado a negociar com todos mesmo tendo uma maioria absoluta. A
minha resposta é de que mais do que a legitimidade que o voto me deu, o
que o povo guineense espera é que sejamos capaz de produzir a paz e a
estabilidade.
RO: E este diálogo nacional, como está?
DSP: Este diálogo nacional está a acontecer. Estamos
a falar com os partidos da oposição, mas eu vou trazer sobretudo à
Comissão de Consolidação da Paz um pedido muito concreto porque é
preciso reforçar as instituições da soberania do país para que este
diálogo tenha maior qualidade. E por outro lado, pensamos que é
fundamental compreender que o diálogo não depende, exclusivamente, da
boa vontade. É preciso que seja estruturado por entidades vocacionadas,
competentes, mas sobretudo por entidades neutrais ao processo. Se uma
entidade política interessada no processo seja quem conduz o processo,
provavelmente por mais neutral que queira ser, terá dificuldades em
mobilizar a compreensão desta neutralidade pelo outro lado.
RO: Tem uma proposta concreta para fortalecimento destas
instituições na Guiné-Bissau? É algo novo ou vai seguir o roteiro já
previsto?
DSP: Não. Eu tenho dito isso. E penso que sou
coerente neste aspecto. Infelizmente, nos nossos países quando algo vai
mal, nós não exploramos a nossa capacidade de melhorar o diálogo. Nós
vamos logo encontrar outras razões, dizer que o nosso sistema é que não
funciona. Parece que estamos à procura de um sistema político tão
perfeito que possa nos dispensar do diálogo e do estabelecimento de
compromissos. Eu penso que é isso, que o reforço da capacidade deverá
permitir de facto que todos nós possamos compreender. Nós somos homens e
sendo homens vamos continuar a cometer erros. O que se espera de nós é
que sendo políticos, sejamos capazes de dialogar. E nesse diálogo criar
consensos para que a paz interna, a tranquilidade e o funcionamento das
instituições da República sejam realmente salvaguardadas
independentemente das nossas diferenças.
RO: Primeiro-ministro, qual é o impacto de uma medida que
tomou há pouco para a reforma de cerca de 2 mil militares. Que impacto
espera que venha a ter em seu país e na região?
DSP: Na verdade o que eu fiz foi dar o aval, o
Conselho de Ministros deu o aval para a constituição de uma comissão que
irá analisar ao pormenor esta lista. Esta lista foi feita, e nós
instruímos a ministra da Defesa e de toda a sua equipa a fazer um
trabalho de auscultação de todas as pessoas incluídas e aquelas que
teriam alguma opinião sobre a forma como esta lista foi constituída. E a
nossa conclusão é de que terá faltado aqui ou ali, alguma divulgação,
alguma compreensão. O que nós não queremos é que alguém seja apanhado
desprevenido na adesão ou não que esteja a fazer em relação a isso. Nós
queremos que, rapidamente, possamos ter de facto esta lista, mas uma
lista consolidada que não seja de surpresa para ninguém e que possa
promoter realmente reduzir substancialmente os efetivos sobretudo
aqueles que, ou por razão de idade, ou porque não têm mais condições de
continuar nas Forças Armadas, ou porque voluntariamente pretende
aproveitar esta oportunidade de reforma antecipada.
RO: Quais são os aspectos mais sensíveis desta reforma do setor da Defesa pelo menos depois de ter assumido o cargo?
DSP: Não. Sempre se falou que um dos graves
problemas das nossas Forças Armadas é porque há uma presença acentuada
de uma das etnias. O que nós dizemos é que isso de facto isso é um
assunto sensível. É um assunto sensível porque a sua presença
maioritária nas Forças Armadas não é recente, já vem da luta de
libertação nacional. Nós é que não temos capacidade de compreender isso e
de articular. E a minha abordagem é afastar-me um bocado da questão
tradicionalmente colocada e pensar nos dependentes dessas pessoas.
Preocupa-me mais pensar que o antigo combatente, o militar possa não
estar a dar as condições necessárias para que a sua mulher, o seu filho
possam ter condições de competir no mercado de trabalho porque aí
estamos a perpetuar uma situação de dependência. E por isso, o militar
que nós estamos a propor ir à reforma, muitas vezes não está tão
preocupado com a vida dele quanto está preocupado com a vida de seus
dependentes. Por isso, nós esperamos que o programa de reforma que
estamos a propor, possa também ter em conta o enquadramento e a
reinserção daqueles familiares que precisam realmente criar os
instrumentos para que enfrentem o mercado de trabalho com confiança e
sabendo que o amanhã será bastante melhor do que aquilo que têm hoje.
RO: Como está o relacionamento com a Cplp. Como está o vínculo com os países do bloco?
DSP: Eu penso que estamos a fazer um bom trabalho.
Eu sou um cidadão da Cplp e não tenho qualquer tipo de reservas em
relação a isso. Eu sempre digo que a minha pertença ao espaço regional,
nesta caso à Cedeao e outros não podem impedir nem condicionar a minha
pertença a outro espaço. Eu falo o português, não falo outras línguas e
portanto assumo como homem livre para de facto desenvolver todas as
parcerias que sejam positivas para o meu país. E é nessa perspectiva que
eu tenho, por um lado, fortalecido a nossa presença. Nós não podemos
ter vergonha de pertecer aos espaços a que de facto pertencemos. Não
podemos ter nem vergonha, nem medo, portanto nós temos feito este
trabalho de consolidação da nossa presença na Cplp, participamos na
Cimeira de Díli e pedimos a todos os Estados-membros da Cplp para que
sejam advogados da Guiné-Bissau. Na melhoria, não só da nossa
visibilidade como das condições para o desenvolvimento. Agora, ao mesmo
tempo que dizemos isso, também afirmamos que não é contraditório com a
nossa pertença ao espaço regional. Por isso, eu tenho mantido um
contacto permanente com as instâncias da Cedeao, da Uemoa, porque
considero que a Cplp possa nos ajudar a tirar um proveito maior da nossa
pertença ao espaço regional portanto eu considero que a nossa presença
na Cplp tem sido bastante positiva e frutífera.
RO: Como está a relação com Angola que acolhe vários guineenses neste momento?
DSP: Repare. Angola é um país irmão. O nosso relacionamento e
irmandade, se assim posso afirmar, tem história de décadas. O que há de
novo nisso é que a presença de cidadãos guineenses em Angola aumentou de
forma bastante, quase exponencial, diria eu, e portanto é preciso ter o enquadramento. Há
bases políticas para nós podermos trabalhar. É preciso é transformar
estas bases políticas em espaços de integração que sejam positivos para
estes cidadãos. Eu imagino que os acontecimentos de 12 de abril e toda a
dificuldade de relacionamento que daí adveio terá dificultado este
processo. Mas eu penso que estamos num mecanismo de retoma da
normalidade. Eu tenho a intenção e penso, julgo saber que há um convite
que chegou do Governo de Angola para visitar Angola nos primeiros dias
do mês de dezembro. Estou seguro que iremos revisitar todas estas
questões e juntos iremos criar as condições para que, de um lado e de
outro, possamos renovar o nosso sentimento de irmandade e proximidade.
(Domingos Simões Pereira em entrevista foto: onu) |
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