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Joseph Pulitzer

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Para um vestido “quem-faz-o-quê”

Nos 24 mil metros quadrados da antiga fábrica de lençóis Asa, em Guimarães, reabilitada a tempo de albergar alguns núcleos expositivos da Capital da Cultura 2012, há 80 que serão o cartão de visita de Liliana Pires a partir de Março.


 
O conceito Re.Made by You que serve este espaço multiusos encaixa no percurso de uma arquitecta que defende os “r” na abordagem que faz à disciplina — “reciclar, reabilitar, reutilizar”. Por enquanto, é “um estaleiro, com painéis de madeira e cabos de aço de outras obras emaranhados pelo chão”, confirma Liliana Pires, que vai dividir esta loja/atelier com Genisa Duarte, amiga e também arquitecta. A ideia é montar ali, e desenvolver, a “versão comercial” do projecto Mob.pop, que Liliana Pires levou ao Lisboa Design Show, em Outubro passado.

O projecto, sobretudo conceptual, parte de cinco linhas de inspiração para chegar a peças de mobiliário e de moda. A Catedral de Brasília, de Oscar Niemeyer, deu origem a um vestido em chiffon cinza translúcido sobre um suporte de cartão K-Line envolvido por espuma isolante para fazer lembrar o betão da obra; da imagética do arquitecto catalão Gaudí chegou-se a um banco em cartão prensado com tampo revestido de bocados de azulejo e a um vestido sobre tecido azul-forte, pontilhado com as mesmas cerâmicas de 15x15cm; a geometria do edifício Vodafone, no Porto (arquitectos Barbosa & Guimarães), deu lugar a uma mesa de chá em cartão prensado e polipropileno alveolar e a um vestido em tecido maleável cinza metálico com aplicações de cartão; o cenário urbano portuense aparece num conjunto masculino de T-shirt e calção; e com o conceito “orgânico” fez um vestido e um chapéu de abas largas em cortiça.

Antes de chegar a este cruzamento criativo entre arquitectura e design, Liliana fez projectos para hospitais e centros de saúde, reabilitou habitações unifamiliares na Baixa do Porto, concorreu a concursos públicos, bateu à porta de ateliers, completou uma pós-graduação em Geografia, Cidade e Arquitectura, projectou unidades hoteleiras e cumpriu um complemento de mestrado sobre o artista japonês Tadashi Kawamata (conhecido por intervencionar o tecido urbano com estruturas frágeis, na sua maioria em materiais reciclados). Diz-se “um polvo” e que é “quase possível passar a vida em estágio profissional”, o que soa mais como lamento mas não destoa do percurso habitual para um jovem arquitecto, neste caso com 31 anos e “apanhado” pela “crise de construção” após 2008.

Para combater este espírito, a arquitecta não concebe pensar no exercício da profissão sem uma atitude de responsabilidade social: “A necessidade leva-me ao trabalho comercial; a paixão, ao social.” Percebeu claramente ser esse o caminho depois de passar seis meses a trabalhar com o gabinete de arquitectura que construiu o Arquivo & Museu da Resistência Timorense (antigo tribunal da comarca de Díli) e de um ano no Brasil, “a montar casas na favela Malvinas, pré-fabricados de seis m2” como voluntária da Teto, uma ONG que começou em 1997 no Chile e presta agora apoio a comunidades de 19 países.

“Quando cheguei a São Paulo, já ia com a ideia de procurar ateliers que trabalhassem apenas num determinado contexto social, longe dos condomínios das novelas. Acabei a fazer voluntariado integrada em equipas de dez pessoas que num fim-de-semana conseguiam dar cem casas novas aos mais desfavorecidos, e participei ainda num projecto para criar um novo protótipo deste tipo de habitação.”

Em Portugal, trabalha como voluntária com a Building 4Humanity, uma associação sem fins lucrativos de Coimbra que está a desenvolver projectos para a Guiné-Bissau.

O desfile das peças Mob.pop num dos maiores eventos de tendências do design nacional garantiu a Liliana Pires maior visibilidade e a entrada no directório de “quem-faz-o-quê” do novo site design português.pt, criado no âmbito do Ano do Design Português. “Quando é preciso, é-se criativo.”
 
(in: publico)
 
 
 
 

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