O livro intitula-se “Che Guevara: La clave africana, Memorias de un comandante cubano, mebajador en la Argelia postcolonial”, por Jorge Serguera (Papito), Grupo Editorial Líberman, Colección Memoria Histórica, 2008. São memórias de um comandante cubano que Fidel Castro nomeou embaixador na Argélia em 1963 e que disserta abundantemente sobre a presença de Che Guevara em solo africano e quais os seus sonhos revolucionários, centrados no Congo em chamas.
Vem a propósito os seus encontros com Amílcar
Cabral e o fornecimento de material cubano anterior à visita que
Amílcar Cabral fará a Havana, em janeiro de 1966, e de que
resultará um inequívoco apoio militar e logístico que se estenderá
até ao fim da guerra. Jorge Serguera irá mover-se em Argel em
contactos clandestinos com argentinos adeptos de Perón prontos a
conspirar e venezuelanos ávidos de passarem à luta armada. Teremos
verdadeiras águas-fortes de Ben Bella, Boumédiènne, Ben Barka,
cujo assassinato em 1965, segundo o autor, terá prejudicado os
propósitos da Conferência Tricontinental. Para o amante do
histórico do Movimento dos Não-Alinhados e para os fervorosos do
pensamento guevarista, há aqui muita surpresa, garanto.
Mal pisou solo argelino, no início de 1963, as
autoridades pediram ao embaixador cubano para se encontrar com Sékou
Touré. Nessas conversações, Touré reclamou um embaixador cubano
em Conacri, o embaixador promete transmitir o pedido do presidente
guineense. De viagem a Havana, encontra-se com Fidel e relata-lhe a
conversa com Sékou Touré. Fidel pede-lhe para comunicar a Sékou
Touré se ele estava disposto a que ajudassem o PAIGC, recebera
pedido de Amílcar Cabral, a revolução cubana devia ser solidária
com estes guerrilheiros. Nessa mesma noite encontra-se com Che
Guevara que lhe pergunta o que pensaria Ben Bella se ele acolhesse
Perón na Argélia, em seu entender essa viagem poderia melhorar a
sua imagem na América Latina. Havia agora que consultar Perón. E o
encontro realizou-se, não teve consequências.
Regressado a Argel, Jorge Serguera segue para
Conacri, de imediato é no dia seguinte que recebi uma visita totalmente inesperada mas
muito agradável de Amílcar Cabral. Suponho que esta visita foi
promovida pelo presidente. Pela primeira vez tinha diante de mim um
dirigente revolucionário, em luta
aberta contra Portugal, o líder do PAIGC.
(C/ Fidel na visita a Havana em Janeiro 1966) |
Era jovem, possuía uma
cultura europeia e pelos seus modos e facilidade de exposição
revelava uma formação humanista e incomum. Com uma linguagem
coerente e sem propósitos evidentes de impressionar, abordava o tema
com tal desenvolvimento e competência que me recordava uma aula na
universidade. Falava como um livro. Quando toquei no tema do
diferendo sino-soviético, logo meteu a sua interpretação das
posições chinesas num ângulo favorável mas lamentando que tudo
aquilo, além do dano que resultava para o movimento de libertação
continental, iria conduzir fatalmente a um cisma. Através dele,
confirmei a informação de que os chineses desenvolviam duas
fábricas e outros projectos na Guiné e que a ausência soviética se
fazia notar. Solicitou o nosso apoio e ajuda. Segundo ele, a luta na
Guiné-Bissau estava bem estruturada e ele concluía que os
portugueses não podiam resistir nem suportar aquela guerra durante
muito tempo. Mantinha boas relações com Agostinho Neto e os
dirigentes da FRELIMO. Avancei a minha opinião de que uma
coordenação de acções militares simultâneas nos três países
faria insuportável a situação para os portugueses, e conduziria ao
colapso. Quando nos despedimos, anunciou a sua próxima visita e o
nosso encontro em Argel. Assegurei-lhe que informaria Fidalgo sobre o
seu pedido".
E depois derrama-se em considerações sobre a
Guerra Fria, o problema do socialismo no mundo, descreve
detalhadamente a Argélia, a libertação da nação argelina e a
posição melindrosa do Partido Comunista Argelino, muito
referenciado pelas suas estreitas ligações ao Partido Comunista
Francês. Viaja na comitiva de Fidel Castro à URSS e depois Che
Guevara chega a Argel. Depois da “crise dos mísseis” de outubro
de 1962, Che estava absolutamente convicto que era indispensável
abrir uma nova frente de luta contra o imperialismo, teria que ser
numa região que perturbasse os interesses dos EUA, não se sabia
ainda muito bem para onde pretendia ir Nasser, os dirigentes
argelinos pareciam-lhe bem-intencionados e anti-imperialistas. Os
não-alinhados estavam a entrar na cena, o Terceiro Mundo pretendia a
equidistância face aos blocos, era uma neutralidade que atraia
Nasser, Sukarno, Tito e Indhira Gandhi. O Che queria sondar vários
dirigentes africanos, conhecer-lhes os propósitos. É um
extensíssimo e curioso olhar sobre o guevarismo, nele é patente as
reservas que o comandante nutria à ajuda soviética, que ele
expressará no seu discurso em fevereiro de 1965 no Seminário
Económico de Solidariedade Afro-Asiática, em Argel.
Em janeiro de 1964 surge um foco de unidade
africana que se irá revelar como o único bem-sucedido: a união do
Tanganica com o Zanzibar, a Tanzânia; os cubanos depositaram alguma
esperança no nascimento deste Estado. É neste contexto que Jorge
Serguera é também nomeado embaixador no Congo Brazzaville, tinha
sido um pedido do presidente Massemba Debat. Che está radiante, já
tem uma plataforma para interferir nos conflitos que incendeiam o
Congo Kinshasa. Che viaja até Argel e fará seguidamente o périplo
africano que tinha sonhado, que o autor descreve, a viagem ao Mali e
depois à Guiné Conacri. Aqui Che encontrou-se com Senghor e reuniu
amiudadas vezes com Sékou Touré e teve um encontro com Amílcar
Cabral que o impressionou positivamente. Che argumentava que era
importante e imprescindível que os dirigentes políticos do
movimento revolucionário estivessem no território de luta (mais
tarde di-lo-á a Agostinho Neto, que não terá apreciado a
observação). Che parte para o Congo, infiltra-se na sublevação,
irá regressar profundamente decepcionado. Há imensa literatura sob a
presença do Che em África, terá sido Amílcar Cabral o único
dirigente revolucionário que deveras o convenceu.
O autor volta à Guiné-Conacri, o navio El Uvero
está a chegar com armamento para o PAIGC, traz Kalashnikov,
morteiros 82, granadas obuses, espingardas RPK, metralhadoras BZA,
RPG, uniformes, traz também instrutores para o PAIGC. O El Uvero
partiria depois para outras águas, para descarregar armamento para o
MPLA e para a FRELIMO. Nessa noite o embaixador Serguera janta com
Sékou Touré e Amílcar Cabral, discute-se os apoios dos EUA a
Portugal, o conflito sino-soviético, a OUA, Nasser, a posição
Jugoslava. E o essencial do restante relato é dedicado à crise
argelina, ao golpe em que o coronel Boumédiènne depôs Ben Bella,
segundo o autor morria assim em definitivo o sonho africano do Che.
Em 1966, Fidel apoiará entusiasticamente o PAIGC e só muito mais
tarde se porá ao lado de Agostinho Neto e dos confrontos do MPLA com
os seus opositores angolanos.
(obs. fotos são da presença de Che Guevara no Congo)
(texto de: Dr. Beja Santos)
(publicado em: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt)
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