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Joseph Pulitzer

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Resposta global a atrocidades cometidas pelos Estados e por grupos armados tem sido vergonhosa e ineficaz

Os líderes mundiais têm de agir de forma a confrontarem a natureza mutável dos conflitos e a protegerem os civis da violência horrível perpetrada por Estados assim como por grupos armados, insta a Amnistia Internacional na mensagem de topo do relatório anual sobre o estado dos direitos humanos no mundo, divulgado esta quarta-feira, 25 de fevereiro.



  • Amnistia Internacional lança Relatório Anual com previsões das tendências de direitos humanos para o próximo ano
  • Sustenta que os governos têm de parar de fingir que a proteção dos civis está para além do seu alcance
  • Prevê que mais civis vão estar em risco de abusos cometidos por grupos armados, a continuação de ataques à liberdade de expressão e um agravar das crises de refugiados – a não ser que se verifique uma mudança fundamental na resposta global aos conflitos
  • Insta a uma ação global que inclui a renúncia do direito de veto pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas em situações de atrocidades em grande escala
“2014 foi um ano catastrófico para milhões de pessoas apanhadas em ciclos de violência. A resposta mundial aos conflitos e aos abusos cometidos por Estados e por grupos armados tem sido vergonhosa e ineficaz. As pessoas sofreram uma escalada de ataques bárbaros e de repressão, e a comunidade internacional tem sido ineficaz”, critica o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty, ao apresentar o Relatório Anual da organização de direitos humanos.
“As Nações Unidas foram criadas há 70 anos para garantir que nunca mais veríamos os horrores a que assistimos na II Guerra Mundial. E agora estamos a ver violência a uma escala maciça e uma enorme crise de refugiados provocada por essa violência. Tem havido uma falha notável em encontrar soluções viáveis para as mais prementes necessidades dos nossos tempos”, prossegue.

Previsões para 2015 e 2016

O Relatório Anual da Amnistia Internacional fornece uma visão abrangente do estado de direitos humanos em 160 países durante o ano de 2014. Dela fica patente que a não ser que os líderes mundiais ajam imediatamente para enfrentar a natureza mutável dos conflitos e dar resposta a outras deficiências identificadas no documento, o panorama de direitos humanos para o ano que se abre é desolador, caracterizado por:
  • mais populações civis obrigadas a viver sob o controlo e governação de facto de grupos armados brutais, sujeitas a ataques, perseguição e discriminação;
  • aprofundamento das ameaças à liberdade de expressão e outros direitos, incluindo violações que derivam das novas leis antiterrorismo draconianas e uma vigilância invasiva e injustificada em larga escala;
  • agravamento das crises humanas e de refugiados, com cada vez mais pessoas deslocadas por causa de conflitos, conforme os governos continuam a bloquear fronteiras e a comunidade internacional falha em prestar assistência e proteção.
Inspirador de especiais preocupações é o crescente poder acompanhado de domínio de território de grupos armados sem ligação ao Estado, no que se inclui o grupo que se auto designa Estado Islâmico (EI).
Grupos armados pelo mundo inteiro cometeram abusos de direitos humanos em pelo menos 35 países em 2014, mais de um em cada cinco países investigados pela Amnistia Internacional.
“Conforme a influência de grupos como o Boko Haram, o EI e as Al-Shabaab [milícias radicais islâmicas da Somália] se propaga para além das fronteiras nacionais, mais civis serão forçados a viver sob o seu controlo e governo de facto, sujeitas a abusos, a perseguição e a discriminação”, frisa a diretora de Investigação da Amnistia Internacional, Anna Neistat. “Os governos têm de parar de fingir que a proteção de civis está para lá do seu alcance e poder e ajudar a reverter a maré de sofrimento de milhões de pessoas. Os líderes têm de adotar um mudança fundamental na forma como respondem às crises no mundo”, insta ainda a perita.

O veto no Conselho de Segurança da ONU

Na Síria, no Iraque, em Gaza, Israel e Ucrânia, o Conselho de Segurança das Nações Unidas não tem conseguido lidar com as crises e os conflitos, até em situações em que são cometidos crimes hediondos contra civis pelos Estados ou por grupos armados, devido a interesses próprios ou conveniências políticas.
A Amnistia Internacional apela agora aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança para que renunciem ao seu direito de veto em situações de genocídio e outras atrocidades em larga escala.
“Esta pode ser uma mudança extremamente significativa para a comunidade internacional e para as ferramentas de que esta dispõe para ajudar a proteger as vidas de civis. Se renunciarem ao seu direito de veto, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança darão às Nações Unidas mais espaço para agir na proteção de civis quando estão vidas em grande risco e, ao mesmo tempo, enviarão um sinal muito poderoso àqueles que cometem violações de direitos humanos de que o mundo não vai ficar impávido enquanto estão a acontecer atrocidades em larga escala”, defende Salil Shetty.

Negócio de armas

O legado sangrento do grosso afluxo de armas para países onde estas são usadas para cometer graves abusos pelos próprios Estados ou por grupos armados saldou-se na perda de dezenas de milhares de vidas de civis em 2014.
A Amnistia Internacional insta todos os países – incluindo os Estados Unidos, a China, o Canadá, a Índia, Israel e a Rússia – a assinarem ou ratificarem, e cumprirem, o Tratado sobre o Comércio de Armas Convencionais que entrou em vigor no ano passado ao fim de décadas de campanha pela Amnistia Internacional e outras organizações.
“Foram feitos enormes fornecimentos de armas ao Iraque, a Israel, ao Sudão do Sul e à Síria em 2014, apesar da elevada probabilidade desse armamento ser usado contra populações civis encurraladas em conflitos. Quando o Estado Islâmico conquistou controlo de vastas zonas do Iraque encontrou aí enormes arsenais, ali mesmo à mão de semear. O fluxo irresponsável de armas para as mãos de violadores de direitos humanos tem de parar já”, urge Anna Neistat.

Armamento explosivo

A Amnistia Internacional apela também aos líderes mundiais para que introduzam novas restrições para combater o uso de armamento explosivo – como é o caso de bombas aéreas, morteiros, artilharia, rockets e mísseis balísticos – em zonas povoadas, que aliás provocou numerosas mortes de civis em 2014.
“Mais limitações ao uso de armas explosivas que não podem ser disparadas com precisão de alvo, ou que de alguma outra forma têm um impacto sobre uma vasta área em zonas povoadas, podiam ter contribuído para salvar milhares de vidas em conflitos recentes, incluindo em Israel, em Gaza e na Ucrânia. A comunidade internacional pode e deve fazer mais para proteger os civis cujas casas se tornaram em linhas de frentes de batalha entre fações em disputa”, defende a diretora de Investigação da Amnistia Internacional.

Respostas draconianas

A Amnistia Internacional insta os governos no mundo inteiro a garantirem que a resposta que dão às ameaças à segurança não põe em risco os direitos humanos fundamentais nem alimentam ainda mais violência.
O Relatório Anual agora divulgado detalha a forma como muitos governos em 2014 reagiram a ameaças à segurança com táticas draconianas e repressivas, verificadas em:
  • Afeganistão: violações repetidas dos direitos humanos cometidas por agentes da Direção Nacional de Segurança (agência de serviços secretos), incluindo alegações de tortura e desaparecimentos forçados;
  • Quénia: promulgação da reforma da Lei de Segurança, uma peça legislativa profundamente repressiva que poderá conduzir a limitações generalizadas à liberdade de expressão e à liberdade de deslocação e movimento;
  • Nigéria: comunidades já aterrorizadas ao longo de anos pelo grupo armado islamita Boko Haram ficaram cada vez mais vulneráveis a violações de direitos humanos por parte das forças de segurança do Estado, que respondem regularmente com execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias em larga escala e tortura;
  • Paquistão: as autoridades suspenderam a moratória à pena de morte e começaram a executar pessoas condenadas por crimes relacionados com o terrorismo;
  • Rússia e Ásia Central: pessoas acusadas de crimes relacionados com terrorismo, ou suspeitas de pertencerem a grupos islamitas, foram torturadas por forças de segurança nacionais;
  • Turquia: continuou a ser usada legislação antiterrorismo vaga para criminalizar o exercício legítimo da liberdade de expressão.
“De Baga a Bagdad, os líderes de Governo têm vindo a tentar justificar violações de direitos humanos argumentando com a necessidade de manter o mundo ‘seguro’. Aquilo a que assistimos são sinais preocupantes de que os líderes vão continuar a reprimir duramente protestos, a introduzir leis antiterrorismo draconianas e a usar técnicas injustificadas de vigilância em reação a ameaças à segurança. Mas tais reações automáticas não funcionam. Pelo contrário, criam um ambiente de repressão no qual o extremismo poderá prosperar”, aponta Salil Shetty.

Refugiados

Uma das consequências trágicas da inaptidão da comunidade internacional em lidar com a natureza mutável dos conflitos é a crise de refugiados que agora vivemos, uma das maiores crises de refugiados a que o mundo jamais assistiu, conforme milhões de pessoas – incluindo quatro milhões da Síria – continuam a fugir da violência e da perseguição.
“É horrível ver como os esforços dos países ricos em manterem as pessoas fora das suas fronteiras prevalecem sobre os esforços em manter as pessoas vivas. A crise global de refugiados irá muito provavelmente agravar-se a não ser que sejam tomadas medidas urgentes”, reitera o secretário-geral da Amnistia Internacional. “Os líderes mundiais têm o poder de aliviar o sofrimento de milhões de pessoas – alocando recursos financeiros e políticos para proteger e dar assistência àqueles que fogem do perigo, prestando ajuda humanitária de forma generosa e acolhendo os mais vulneráveis”, prossegue Salil Shetty.

Chamada à acção

“O panorama global do estado dos direitos humanos no mundo é desolador, mas há soluções. Os líderes mundiais têm de agir imediatamente e de forma decisiva para evitar a iminente crise global, e aproximar-nos de um mundo mais seguro onde os direitos e as liberdades estejam protegidos”, remata o secretário-geral da Amnistia Internacional.




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