Os líderes mundiais têm de agir de forma a confrontarem a natureza mutável dos conflitos e a protegerem os civis da violência horrível perpetrada por Estados assim como por grupos armados, insta a Amnistia Internacional na mensagem de topo do relatório anual sobre o estado dos direitos humanos no mundo, divulgado esta quarta-feira, 25 de fevereiro.
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Amnistia Internacional lança Relatório Anual com previsões das tendências de direitos humanos para o próximo ano
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Sustenta que os governos têm de parar de fingir que a proteção dos civis está para além do seu alcance
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Prevê que mais civis vão estar em risco de abusos cometidos por
grupos armados, a continuação de ataques à liberdade de expressão e um
agravar das crises de refugiados – a não ser que se verifique uma
mudança fundamental na resposta global aos conflitos
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Insta a uma ação global que inclui a renúncia do direito de veto pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas em situações de atrocidades em grande escala
“2014 foi um ano catastrófico para milhões de pessoas apanhadas em
ciclos de violência. A resposta mundial aos conflitos e aos abusos
cometidos por Estados e por grupos armados tem sido vergonhosa e
ineficaz. As pessoas sofreram uma escalada de ataques bárbaros e de
repressão, e a comunidade internacional tem sido ineficaz”, critica o
secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty, ao apresentar o
Relatório Anual da organização de direitos humanos.
“As Nações Unidas foram criadas há 70 anos para garantir que nunca mais
veríamos os horrores a que assistimos na II Guerra Mundial. E agora
estamos a ver violência a uma escala maciça e uma enorme crise de
refugiados provocada por essa violência. Tem havido uma falha notável em
encontrar soluções viáveis para as mais prementes necessidades dos
nossos tempos”, prossegue.
Previsões para 2015 e 2016
O Relatório Anual
da Amnistia Internacional fornece uma visão abrangente do estado de
direitos humanos em 160 países durante o ano de 2014. Dela fica patente
que a não ser que os líderes mundiais ajam imediatamente para enfrentar a
natureza mutável dos conflitos e dar resposta a outras deficiências
identificadas no documento, o panorama de direitos humanos para o ano
que se abre é desolador, caracterizado por:
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mais populações civis obrigadas a viver sob o controlo e governação de facto de grupos armados brutais, sujeitas a ataques, perseguição e discriminação;
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aprofundamento das ameaças à liberdade de expressão e outros
direitos, incluindo violações que derivam das novas leis antiterrorismo
draconianas e uma vigilância invasiva e injustificada em larga escala;
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agravamento das crises humanas e de refugiados, com cada vez mais pessoas deslocadas por causa de conflitos, conforme os governos continuam a bloquear fronteiras e a comunidade internacional falha em prestar assistência e proteção.
Inspirador de especiais preocupações é o crescente poder acompanhado de
domínio de território de grupos armados sem ligação ao Estado, no que
se inclui o grupo que se auto designa Estado Islâmico (EI).
Grupos armados pelo mundo inteiro cometeram abusos de direitos humanos
em pelo menos 35 países em 2014, mais de um em cada cinco países
investigados pela Amnistia Internacional.
“Conforme a influência de grupos como o Boko Haram, o EI e as
Al-Shabaab [milícias radicais islâmicas da Somália] se propaga para além
das fronteiras nacionais, mais civis serão forçados a viver sob o seu
controlo e governo de facto, sujeitas a abusos, a perseguição e
a discriminação”, frisa a diretora de Investigação da Amnistia
Internacional, Anna Neistat. “Os governos têm de parar de fingir que a
proteção de civis está para lá do seu alcance e poder e ajudar a
reverter a maré de sofrimento de milhões de pessoas. Os líderes têm de
adotar um mudança fundamental na forma como respondem às crises no
mundo”, insta ainda a perita.
O veto no Conselho de Segurança da ONU
Na Síria, no Iraque, em Gaza, Israel e Ucrânia, o Conselho de Segurança
das Nações Unidas não tem conseguido lidar com as crises e os
conflitos, até em situações em que são cometidos crimes hediondos contra
civis pelos Estados ou por grupos armados, devido a interesses próprios
ou conveniências políticas.
A Amnistia Internacional apela agora aos cinco membros permanentes do
Conselho de Segurança para que renunciem ao seu direito de veto em
situações de genocídio e outras atrocidades em larga escala.
“Esta pode ser uma mudança extremamente significativa para a comunidade
internacional e para as ferramentas de que esta dispõe para ajudar a
proteger as vidas de civis. Se renunciarem ao seu direito de veto, os
cinco membros permanentes do Conselho de Segurança darão às Nações
Unidas mais espaço para agir na proteção de civis quando estão vidas em
grande risco e, ao mesmo tempo, enviarão um sinal muito poderoso àqueles
que cometem violações de direitos humanos de que o mundo não vai ficar
impávido enquanto estão a acontecer atrocidades em larga escala”,
defende Salil Shetty.
Negócio de armas
O legado sangrento do grosso afluxo de armas para países onde estas são
usadas para cometer graves abusos pelos próprios Estados ou por grupos
armados saldou-se na perda de dezenas de milhares de vidas de civis em
2014.
A Amnistia Internacional insta todos os países – incluindo os Estados
Unidos, a China, o Canadá, a Índia, Israel e a Rússia – a assinarem ou
ratificarem, e cumprirem, o Tratado sobre o Comércio de Armas
Convencionais que entrou em vigor no ano passado ao fim de décadas de
campanha pela Amnistia Internacional e outras organizações.
“Foram feitos enormes fornecimentos de armas ao Iraque, a Israel, ao
Sudão do Sul e à Síria em 2014, apesar da elevada probabilidade desse
armamento ser usado contra populações civis encurraladas em conflitos.
Quando o Estado Islâmico conquistou controlo de vastas zonas do Iraque
encontrou aí enormes arsenais, ali mesmo à mão de semear. O fluxo
irresponsável de armas para as mãos de violadores de direitos humanos
tem de parar já”, urge Anna Neistat.
Armamento explosivo
A Amnistia Internacional apela também aos líderes mundiais para que
introduzam novas restrições para combater o uso de armamento explosivo –
como é o caso de bombas aéreas, morteiros, artilharia, rockets e mísseis balísticos – em zonas povoadas, que aliás provocou numerosas mortes de civis em 2014.
“Mais limitações ao uso de armas explosivas que não podem ser
disparadas com precisão de alvo, ou que de alguma outra forma têm um
impacto sobre uma vasta área em zonas povoadas, podiam ter contribuído
para salvar milhares de vidas em conflitos recentes, incluindo em
Israel, em Gaza e na Ucrânia. A comunidade internacional pode e deve
fazer mais para proteger os civis cujas casas se tornaram em linhas de
frentes de batalha entre fações em disputa”, defende a diretora de
Investigação da Amnistia Internacional.
Respostas draconianas
A Amnistia Internacional insta os governos no mundo inteiro a
garantirem que a resposta que dão às ameaças à segurança não põe em
risco os direitos humanos fundamentais nem alimentam ainda mais
violência.
O Relatório Anual
agora divulgado detalha a forma como muitos governos em 2014 reagiram a
ameaças à segurança com táticas draconianas e repressivas, verificadas
em:
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Afeganistão: violações repetidas dos direitos humanos cometidas por
agentes da Direção Nacional de Segurança (agência de serviços secretos),
incluindo alegações de tortura e desaparecimentos forçados;
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Quénia: promulgação da reforma da Lei de Segurança, uma peça
legislativa profundamente repressiva que poderá conduzir a limitações
generalizadas à liberdade de expressão e à liberdade de deslocação e
movimento;
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Nigéria: comunidades já aterrorizadas ao longo de anos pelo grupo
armado islamita Boko Haram ficaram cada vez mais vulneráveis a violações
de direitos humanos por parte das forças de segurança do Estado, que
respondem regularmente com execuções extrajudiciais, detenções
arbitrárias em larga escala e tortura;
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Paquistão: as autoridades suspenderam a moratória à pena de morte e
começaram a executar pessoas condenadas por crimes relacionados com o
terrorismo;
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Rússia e Ásia Central: pessoas acusadas de crimes relacionados com
terrorismo, ou suspeitas de pertencerem a grupos islamitas, foram
torturadas por forças de segurança nacionais;
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Turquia: continuou a ser usada legislação antiterrorismo vaga para
criminalizar o exercício legítimo da liberdade de expressão.
“De Baga a Bagdad, os líderes de Governo têm vindo a tentar justificar
violações de direitos humanos argumentando com a necessidade de manter o
mundo ‘seguro’. Aquilo a que assistimos são sinais preocupantes de que
os líderes vão continuar a reprimir duramente protestos, a introduzir
leis antiterrorismo draconianas e a usar técnicas injustificadas de
vigilância em reação a ameaças à segurança. Mas tais reações automáticas
não funcionam. Pelo contrário, criam um ambiente de repressão no qual o
extremismo poderá prosperar”, aponta Salil Shetty.
Refugiados
Uma das consequências trágicas da inaptidão da comunidade internacional
em lidar com a natureza mutável dos conflitos é a crise de refugiados
que agora vivemos, uma das maiores crises de refugiados a que o mundo
jamais assistiu, conforme milhões de pessoas – incluindo quatro milhões
da Síria – continuam a fugir da violência e da perseguição.
“É horrível ver como os esforços dos países ricos em manterem as
pessoas fora das suas fronteiras prevalecem sobre os esforços em manter
as pessoas vivas. A crise global de refugiados irá muito provavelmente
agravar-se a não ser que sejam tomadas medidas urgentes”, reitera o
secretário-geral da Amnistia Internacional. “Os líderes mundiais têm o
poder de aliviar o sofrimento de milhões de pessoas – alocando recursos
financeiros e políticos para proteger e dar assistência àqueles que
fogem do perigo, prestando ajuda humanitária de forma generosa e
acolhendo os mais vulneráveis”, prossegue Salil Shetty.
Chamada à acção
“O panorama global do estado dos direitos humanos no mundo é
desolador, mas há soluções. Os líderes mundiais têm de agir
imediatamente e de forma decisiva para evitar a iminente crise global, e
aproximar-nos de um mundo mais seguro onde os direitos e as liberdades
estejam protegidos”, remata o secretário-geral da Amnistia
Internacional.
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