Olelo Cá, 39 anos, vê como um luxo um saco de arroz de cinco quilos, na Guiné-Bissau. Custa 22 euros e não está ao alcance da família de sete filhos: "não temos dinheiro para comprar arroz", refere à agência Lusa, com uma longa pá artesanal nas mãos, no meio de uma bolanha - campo pantanoso de cultivo de arroz.
(foto da net) |
Ao redor dele há muitos outros homens e crianças, com pernas
enlameadas, a cavar sulcos onde vai crescer o arroz que esperam começar a
apanhar em novembro, junto ao bairro da Zona 7, às portas da capital,
Bissau.
A crise profunda e a pobreza obrigam muitos guineenses a trabalhar a
terra para terem os alimentos que não conseguem comprar, sendo o arroz o
caso mais flagrante - para um guineense não há mesa composta, por mais
farta que esteja, se faltar o arroz.
Com sorte, o arroz que Olelo tirar da faixa de terreno que ali tem
pode dar para alimentar a família durante "três ou quatro meses" e
depois terá que o comprar, ainda não sabe bem como.
Estivador de profissão, conta que "o trabalho, agora, é instável" e ganha mais de biscates que outra coisa.
Mas nesta altura do ano, época das chuvas, ele e muitos outros homens
têm que trocar aquilo que fazem para se entreajudarem nas bolanhas, sem
uma única máquina.
Nalguns bairros, já há grupos que se organizam para alugar tratores e
alfaias que rapidamente rasgam os sulcos, mas isso é para quem pode:
"também preferíamos ter um trator, mas não temos meios para isso".
O trabalho é duro e começa logo em abril, conta Euferinho Nanque, 66
anos, régulo, ou seja, autoridade local, reconhecida pela população, e
detentor de grande parte das parcelas da zona.
De catanas na mão, os primeiros homens avançam para os terrenos para
"tirarem as ervas daninhas", à espera que venham as chuvas, que costumam
cair de maio em diante e chamam o resto da população.
Por entre os adultos correm dezenas de crianças: "tenho seis anos",
diz uma delas à reportagem da Lusa, logo atropelada por outras que
também querem responder, uma com oito, outra com dez anos e outras pelo
meio.
"Eu também comecei quando era criança", recorda Bubo Lopes, 24 anos,
na altura um menino que, como os de hoje, ajudava "em tudo o que era
capaz" de fazer, como carregar utensílios de uma parcela para outra ou
levar água aos lavradores.
Em novembro, apanha-se o arroz, que é depois levado para a máquina de
descasque comunitária, no meio do bairro, um aparelho que está avariado
mas que Motema Lopes, 58 anos, antigo mecânico das forças armadas
guineenses, tenta reparar.
"Vamos pedir ajuda à população para pagar a reparação", explica à Lusa, enquanto espreita por uma das extremidades da máquina.
No início do mês arrancou uma operação de urgência do Programa
Alimentar Mundial (PAM) para distribuição de arroz na Guiné-Bissau que
deverá durar até final de novembro.
A carência deve-se sobretudo aos baixos resultados da campanha de
caju que vieram agravar a crise no país, sujeito a sanções
internacionais depois do golpe de estado militar de abril de 2012.
(in:nm)
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