Partidos Políticos e Democracia: sensos e consensos
Diz-nos
o sociólogo Robert
Michels
que “
(…) os partidos políticos apareceram e tomaram corpo devido à
impossibilidade de as massas gerirem os seus próprios interesses
tornando necessária a inexistência de especialistas que o façam
por elas”.
Certamente, esta é uma asserção que merece algum cuidado da nossa
parte quando abordamos questões políticas, atores políticos e o
processo
de credibilização da política no contexto da Nação guineense.
Na
verdade, o partido político, quiçá pela própria discussão à sua
volta, é a instituição que ressalta as mais variadas opiniões
acerca da sua utilidade e da sua importância. Enquanto Hans
Kelsen,
filósofo e jurista austríaco, defendia que os partidos políticos
eram “a
vida da democracia”,
para outros representavam exatamente o inverso: George Washington,
primeiro
presidente dos Estados Unidos de América, no seu discurso de
despedida à Nação - Farwell
Address, 1796
- advertiu sobre a ameaça que estes representavam para o Estado, o
quão dividiam e agitavam o povo; Rousseau,
filósofo
e teórico político Suíço,
condenava-os
no Contrato
Social
alegando que estes corrompiam e particularizavam a vontade geral; o
Código Penal Francês de 1810 proscrevia-os.
Ora
bem, a história recorda-nos que a Constituição Francesa, em 1789,
foi tida como o momento inicial da formação dos partidos políticos
mais ou menos nos moldes atualmente conhecidos, atribuída à
sociabilidade humana, a exemplo do que ocorreu com a formação da
família, do clã, da tribo e do Estado. Em boa verdade, a Revolução
Francesa confirmou que o “iluminismo” foi a génese e a raiz do
pensamento ideológico associado à conceção dos partidos
políticos. De salientar que o Iluminismo foi um movimento filosófico
que defendeu o final dos regimes absolutistas e a divisão dos
poderes em instituições separadas, tal como bem defendiam Voltaire,
Montesquieu, Rousseau
e Adam
Smith.
Outrora,
alguns pensadores e teóricos da ciência política defenderam que
“partido significa parcela de um conjunto
maior que tende a disputar com outras parcelas a liderança do
conjunto, que tem em vista aquilo que alguns qualificam como a
conquista e a manutenção do poder”. Em
bom rigor, só existirão partidos num sistema político marcado pela
competição eleitoral e que assuma a forma de democracia
representativa, dado que a principal função do partido é a de
nomear candidatos para uma eleição.
Assim,
a responsabilidade de um partido político é superior aos reais
interesses particulares e pessoais dos elementos que o integram. A
essência dos partidos, tanto mais se acentua
quando se tem em consideração que estes se apresentam como um
instrumento determinante na concretização do princípio democrático
e se exprimem como um dos recursos fundamentais no processo de
legitimação do poder estatal, na justa medida em que o “povo,
fonte de que provém a soberania nacional”,
tem, nesses grupos, o portador necessário ao cumprimento das funções
de governação política do Estado.
De
tal forma, são necessários os partidos na participação do
processo democrático e da construção da Nação, conforme a sua
função político-constitucional,
prevista no artigo 1º da Lei dos Partidos
Políticos,“(…) os partidos políticos concorrem para a livre
formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a
organização do poder político, com respeito pelos princípios da
independência nacional, da unidade do Estado e da democracia
política (…)” e os seus interlocutores,
capazes de garantir a eficaz e rigorosa participação no processo de
assimilação e cumprimento dos programas estatutários que regem os
seus próprios partidos. Daí entender-se que os partidos viabilizam
a organização e a participação política do corpo social do País,
sendo recusada, inclusive, a ideia de candidaturas avulsas, uma vez
que cabe aos partidos políticos o exclusivo do lançamento de
candidaturas, recrutadas nos seus quadros de militantes.
Resumidamente, os partidos políticos têm por finalidade, e de
acordo com o nosso ordenamento jurídico-constitucional “ (…)
contribuir para o
exercício dos direitos políticos dos cidadãos e para a
determinação da política nacional, nomeadamente, através da
participação em eleições ou outros meios de expressão
democrática, participar na atividade dos órgãos do estado e do
poder local, formular críticas sobre os atos do governo e da
administração pública, estudar, debater e pronunciar-se sobre os
problemas da vida nacional e internacional e, finalmente, promover a
educação cívica e o esclarecimento político dos cidadãos”.
Todavia,
gostaria de chamar atenção para o esclarecimento político dos
cidadãos, o qual
pretendo desenvolver com este pequeno ensaio, tendo em conta a
perspetiva interna dos partidos e a escolha que recai sobre a
abordagem política que fazem da democracia e do projeto da
construção da Nação. Contudo, não pretendo imiscuir-se na esfera
das ciências sociais, que deve essa abordagem reservar-se aos
sociólogos, historiadores, politólogos e outras áreas próprias da
ciência política.
Sobre
o que atrás se referiu, entendo que se torna necessário e imperioso
focar três questões essenciais, as quais têm a ver com a escolha
dos leais representantes da Nação para os órgãos de soberania:
Parlamento, Presidência e Governo.
No
que se refere ao Parlamento, instituição que aceita os conflitos
sociais para os resolver pela palavra, com exclusão à violência,
não só se distingue a democracia representativa da ditadura, como
também por outra função política, mais nobre: a
legislativa. Deste modo, o Parlamento, para
além de ser a casa da democracia é, nos termos da lei fundamental,
“a assembleia representativa de todos os
cidadãos”.
Para
além da função primordial de representação, compete à
Assembleia Nacional Popular assegurar a aprovação das leis
fundamentais da República e a vigilância pelo cumprimento da
Constituição, das leis e dos atos do Governo e da Administração.
Assim, pela importância que reveste, não se pode conceber, em
democracia representativa, que conste do Parlamento o conceito de
analfabetismo ou iliteracia. Na minha profunda convicção isto não
constitui nenhum ato discriminatório, nem tampouco vem vedar acesso
ao debate democrático pela camada da população com baixa ou menor
qualificação, mas sim, o sentido de responsabilidade e a exigência
que se deve pautar, desde as bases dos partidos, na escolha dos seus
representantes legais para ocuparem os lugares de decisões
orgânicas, estratégicas e parlamentares que o País carece e que
tem urgência em usufruir.
Ter
um Parlamento fraco significa favorecer ou permitir promiscuidade
entre as esferas pública e privada, uma aproximação de
conveniências que poderão consubstanciar no princípio da subversão
dos reais interesses públicos em proveito dos particulares, tais
como na elaboração das leis e projetos-lei e na discussão das
matérias estratégicas para o País. O Parlamento é a casa da
democracia e deve de ser tomado por quem tem real sentido de
responsabilidade na discussão das leis e projetos-lei que devem
orientar a vida da Nação, pretendendo que se debata não apenas
grandes assuntos, mas que influencie, de forma decisiva, nas grandes
questões.
Quanto
à questão presidencial, apenas pretendo refletir sobre os vários
posicionamentos e protagonismos vernáculos que se têm observado no
plano da estratégia política e das movimentações partidárias. Na
verdade, uma candidatura presidencial é a manifestação da vontade
de um indivíduo que revê no seu projeto político a causa nacional
e assim perfila para a liderança do mais alto cargo da Nação.
Porém, essa manifestação de vontade particular poderá, ou não,
ter acolhimento junto de uma determinada formação partidária como,
aliás, mais à frente se abordará.
Entendo
que não basta apenas querer ser Presidente da República porque fica
bem, ou porque se gosta, sem ter em conta a capacidade de liderança
que justifique este compromisso sério e responsável. A verdade é
que o Presidente da República detém um papel importante na garantia
do regular funcionamento das instituições democráticas e na
moderação das diferenças entre os atores políticos concorrentes.
Ainda tem a função, nos termos da Constituição da República, de
garantir a independência nacional, a unidade do Estado e o regular
funcionamento das instituições democráticas, para além de ser o
chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas. Portanto,
neste momento conturbado em que o País se encontra, é importante um
perfil adequado de líder eficiente e chefe de Estado capaz de fazer
a ponte entre a sociedade civil, governo, partidos políticos e a
cúpula militar. Por conseguinte, para ser esse líder eficiente e
chefe de Estado capaz, é fundamental que as pessoas confiem na sua
solidez e na sua ética e tenham confiança nas suas capacidades de
liderança, fazendo-as acreditar que merece a autoridade que tem. Não
havendo confiança e credibilidade, nada mais é possível.
Partindo
do pressuposto que uma das componentes do processo de afirmação da
Nação reside nas bases dos partidos, uma vez que são estas que
criam condições no seio dessa estrutura para um debate esclarecedor
e integrador, e tendo, como é óbvio, no suporte legal o povo como
constituinte, torna-se mais importante que os partidos sejam munidos
de competências e responsavelmente determinados na luta que
orientará a matriz da construção nacional. Ao partido político,
como aliás já foi sobejamente referido, instituição que tem
caráter nacional, é assegurada autonomia para definir a sua
estrutura interna, organização e funcionamento, bem como na
definição do seu programa e do seu estatuto, tal como prevê a
própria lei dos partidos políticos.
Contudo,
no que se refere à questão governamental, tendo em conta o
posicionamento eleitoral, entendo que é fundamental que os partidos
se apresentem com a devida qualidade dos seus dirigentes, uma vez que
se exige credibilização partidária e responsabilidade que terão
no quadro parlamentar e constitucional. Assim é que, no que se
refere à escolha dos elementos que integrarão à lista de
deputados, deverão ser previamente selecionados, no seio dos
partidos, militantes capazes e que observam os princípios “ética,
responsabilidade e honestidade”, sendo que deverão privilegiar
abordagens dos grandes problemas nacionais.
E
ainda, como não se podia deixar de abordar, no que se refere à
escolha de uma figura no seio do partido para a candidatura
presidencial, acresce referir o seguinte: Um partido deve sempre
gerar consensos em torno de um candidato único. Isto de primárias e
de lutas internas para a escolha de um candidato para a disputa
presidencial enfraquece a coesão interna do partido e aponta para o
dissenso e para a fragilização partidária. Os consensos são a
melhor forma de manter a coesão e a unidade interna de qualquer
partido. Ou seja, a título meramente elucidativo, apraz referir o
seguinte: sem partidos políticos responsáveis não existirá um
parlamento responsável nem um governo eficiente e capaz,
automaticamente não existirá um País forte e credível,
independentemente de uma magistratura de influência responsável,
pois tudo funciona em vazos comunicantes.
Por
fim, é necessário, neste momento, estabelecer a ponte e criar
consensos alargados entre os vários intervenientes no processo, por
forma a retomar o espírito da Nação e assim participar plenamente
nos esforços do desenvolvimento social, político e económico do
País. LV
Lisboa, 28 de Fevereiro
de 2014.
Luís Vicente
Nota:
Solicito aos sociólogos e historiadores guineenses que se debrucem
sobre o estudo aprofundado dos partidos políticos, e que nos
indiquem uma matriz coerente sobre a interpretação deste fenómeno
e a razão da sua multiplicidade! LV
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