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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Acordos da UE com Marrocos questionados pelo Supremo Tribunal inglês

A notícia é de importância extraordinária e levou-me a dá-la em primeira mão no twitter. O Supremo Tribunal de Inglaterra e Gales decidiu apresentar uma questão prejudicial ante o Tribunal de Justiça da União Europeia para que este determine se os acordos de associação (que envolvem produtos agrícolas e a pesca) entre a UE e Marrocos são conformes com os tratados comunitários e com o Direito Internacional.


( Autor: Carlos Ruiz Miguel, professor de Direito Constitucional na Universidade de Compostela) 

I. ANTECEDENTES: OS ACORDOS DE ASSOCIAÇÃO DA UE COM MARROCOS 

A UE firmou vários acordos de associação com Marrocos. Por um lado, um acordo geral de associação (que foi modificado anos depois da sua adopção para dar maiores facilidades à exportação de produtos agrícolas ou pesqueiros marroquinos - Diário Oficial 1/70/2, de 18 de Março de 2000) e, por outro lado, vários acordos específicos de associação em matéria de pesca, o último de 2006, que conheceu vários protocolos aplicativos.

Nenhum destes acordos reconhece explicitamente no seu articulado que se aplica à parte do território do Sahara Ocidental ocupado por Marrocos, mas é um facto que todos eles se aplicam ou se aplicaram e que, inclusive, durante o processo de elaboração de um desses acordos foi manifestada a vontade de o aplicar ao Sahara Ocidental. 

II. A ASSOCIAÇÃO "WESTERN SAHARA CAMPAIGN" PROCESSA DOIS DEPARTAMENTOS DA ADMINISTRAÇÃO DO REINO UNIDO 

A 23 de abril de 2015, o juiz britânico Walker concedeu à "Western Sahara Campaign" autorização para processar dois departamentos da administração britânica: por um lado, o Departamento de Fronteiras (The Commissioners for Her Majesty's Revenue and Customs - HMRC) por aplicar aos produtos originários do Sahara Ocidental ocupado por Marrocos as vantagens fiscais que o acordo de associação outorga aos produtos originários de Marrocos; e, por outro lado, o Ministério da Agricultura (Secretary of State for the Environment and Rural Affairs - DEFRA) pela intenção de aplicar às águas do Sahara Ocidental o previsto no Acordo de associação pesqueira da UE com Marrocos.

Nos dias 14 e 15 de julho de 2015 teve lugar o julgamento. Durante o mesmo, os demandantes (Western Sahara Campaign) solicitaram ao tribunal britânico que interpusesse uma QUESTÃO PREJUDICIAL ao Tribunal de Justiça da UE para que este determine se os acordos de associação são ou não conformes com os tratados comunitários; por seu lado, as entidades administrativas demandadas pediram que não fosse interposta a questão prejudicial e que o tribunal rejeitasse a demanda.
Através da sua decisão de 19 de outubro de 2015, o juiz Blake deu razão à Western Sahara Campaign e interpôs uma questão prejudicial ante o Tribunal de Justiça da UE. 

III. VÁRIAS AFIRMAÇÕES IMPORTANTES DO SUPREMO TRIBUNAL INGLÊS 

Na sua decisão, o Tribunal inglês profere varias considerações importantes sobre o Sahara Ocidental:

1) O Supremo Tribunal inglês critica (considerando número 32 da decisão) as autoridades comunitárias que citam o parecer do Serviço Jurídico das Nações Unidas (o "Relatório Corell", do nome do então Subsecretario de Assuntos Jurídicos, Hans Corell) omitindo que o mesmo exige a autodeterminação e tome em consideração os desejos da população. Mais, considera que é um "erro manifesto" que a Comissão Europeia possa utilizar os argumentos do parecer de Corell para justificar um acordo UE-Marrocos que incluía o Sahara Ocidental (considerando número 55).

2) O Supremo Tribunal inglês considera que Marrocos não tem nenhum título jurídico para apoderar-se do Sahara Ocidental (considerando número 40).

3) O Supremo Tribunal inglês considera que o facto de Marrocos não reconhecer como específica a população autóctone do Sahara Ocidental leva a que o dinheiro proveniente da UE não se destine à mesma, pelo que os acordos da UE com Marrocos seriam contrários à legalidade internacional (considerando número 47).

4) O Supremo Tribunal inglês considera que atribuir os benefícios da UE à "população local" do Sahara Ocidental sem distinguir se a mesma é fruto de uma ocupação ilegal, vicia de ilegalidade os acordos da UE (considerando número 49).


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