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Joseph Pulitzer

sábado, 5 de outubro de 2013

"A paz só será possível quando ela existir em casa, em cada família", diz Nobel da Paz

Engana-se quem pensa que um Nobel da Paz passa o tempo apenas estudando os problemas do mundo ou mergulhado em reuniões em Washington, Genebra e Haia. Na rotina de José Ramos-Horta, há espaço para ouvir Elvis Presley e ler Paulo Coelho.

Forjado no exílio, quando o Timor Leste era dominado pela Indonésia, Ramos-Horta conseguiu colocar na agenda da comunidade internacional a luta pela independência da pequena ilha que fala português no Sudeste Asiático. Não sem feridas: teve quatro irmãos assassinados por milícias pró-Indonésia. Após a guerra civil e a intervenção da ONU, com a ajuda de militares brasileiros, ele se tornou o segundo presidente do novo país. Sofreu um atentado na porta de casa, sobreviveu e acredita que o ataque, ao invés de reacender antigas rixas, serviu para unir o povo. Hoje, distante do Timor, ele é o representante do secretário-geral da ONU em Guiné-Bissau, país africano que vive uma instabilidade política. Na semana passada, antes de palestrar no Fronteiras do Pensamento, na Capital, Ramos-Horta recebeu Zero Hora para uma entrevista. A seguir, os principais trechos:




Zero Hora — Como é ser um Nobel da Paz?
José Ramos-Horta - É uma honra, não sei se mereci. Nunca sonhei, nunca pensei no assunto. No dia em que recebi o telefonema, fiquei muito surpreendido, chocado. Eu estava em Sydney, foi a ligação de um jornalista que havia recebido a informação e me contatou para que eu comentasse. Espero que meu nome tenha sido útil para colocar Timor Leste no mapa e que tenha contribuído para pressionar a comunidade internacional a encontrar uma solução para o problema.

ZH — Um Nobel tem tempo para descansar?
Ramos-Horta - Quando descanso, ouço música. De Lisboa para cá, ouvi Elvis Presley. Tenho um (iPod) nano, só de Elvis, que ganhei de presente. Mas gosto de música clássica, Andrea Bocceli.
ZH — O que o senhor está lendo?
Ramos-Horta - Deixei de ler Paulo Coelho (risos).

ZH — O senhor lia Paulo Coelho?
Ramos-Horta — Sim, mas deixei de ler porque ele plagia muito a Bíblia. Tudo gira em torno da Bíblia.. 

ZH — Mudando de assunto: o senhor é cotado para secretário-geral da Organização das Nações Unidas. É um sonho?
Ramos-Horta — Não tenho interesse, nem possibilidade. A próxima região a ter direito ao posto será a Europa. E europeus com condições para secretário-geral não faltam. Os europeus sempre querem mandar no mundo.

ZH — Em crises recentes, a ONU foi incapaz de evitar guerra, como na Líbia, no Iraque e, agora, na Síria. Esse modelo está esgotado?
Ramos-Horta - A reforma da ONU, para que se estabeleça um equilíbrio estratégico, é necessária. O mundo hoje é diferente de há 30 anos. O Brasil é hoje a sétima economia do mundo. A Índia tem 1 bilhão de habitantes, a China, 250 milhões. Não se pode continuar pensando nas envelhecidas potências europeias como únicas superpotências. Mas não acredito que a reforma do Conselho de Segurança possa, por si só, torná-lo mais eficaz. Mais democrático e legítimo talvez, mas não necessariamente eficaz. Temos de ser realistas: há problemas no mundo, como na Síria, que são extremamente difíceis de resolver. Conflitos muito sectários, com raízes históricas, religiosas, fanatismo envolvido, eu diria que praticamente não têm solução. Como é possível que algum gênio da ONU possa resolver uma questão assim? Veja o conflito Irã-Iraque, nos anos 80: morreram mais de 1 milhão de pessoas, os dois países estavam exaustos. Eles decidiram dialogar e parar com a guerra, porque se esgotaram. Não porque alguém mediou.

ZH — O que o senhor achou da fala da presidente Dilma Rousseff na ONU, questionando a espionagem do governo americano?
Ramos-Horta - Eu me solidarizo com o Brasil e outros países que foram alvo dessa descarada interferência da agência americana. Extravasaram os limites do aceitável. As ameaças à segurança dos EUA são muito sérias. Mas é preciso parceria solidária ativa e de igual para igual entre EUA e Brasil, entre EUA e Alemanha, e não espionagem. O argumento americano é segurança, mas espionaram acordos de ciência e tecnologia. É preciso parceria entre forças de segurança, troca de informações, e não espionar e-mails da presidente brasileira. Isso não tem nada a ver com segurança.

ZH — O senhor tem sequelas do atentado que sofreu?
Ramos-Horta - Sim, foi um preço que paguei. Mas, depois que fui ferido, a violência parou e nunca mais voltou. Quando fui ferido, o próprio grupo que fez isso ficou desorientado e disse que, quando eu regressasse do hospital, entregariam as armas, mas só se renderiam a ele. Três dias depois, quando sai do hospital, eles de fato entregaram as armas.

ZH — Como foi o ataque?
Ramos-Horta — Foi na rua. Um major rebelde foi até a minha casa sem avisar. Eu tinha ido caminhar. Quando ouvi um tiro, voltei. Um dos rebeldes pensou que eu lhes havia armado uma emboscada, então fui baleado. 

ZH — Como maior país da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o Brasil deveria fazer mais pelo Timor Leste e pelas outras nações que falam o idioma?
Ramos-Horta - Sem dúvida, o Brasil devia investir muito mais no português em Timor Leste. O Brasil tem riqueza para isso. Um país que consegue gastar US$ 8 bilhões em estádios de futebol, como não pode colocar 500 professores brasileiros em Timor Leste ou Guiné-Bissau? O Brasil, pela sua raiz luso-tropical, pela maneira de ser do brasileiro, é aceito em todo o mundo. O professor, o engenheiro, o médico são os melhores embaixadores brasileiros no mundo. E o Brasil é cada vez mais admirado pela sua tecnologia em petróleo, é uma potência industrial.

ZH — Um Nobel da Paz realmente acredita que a paz é possível?
Ramos-Horta - A paz só será possível quando ela existir em cada casa, em cada família. Devemos incutir nos filhos a bondade, a generosidade, a solidariedade, e não o egoísmo, a vaidade. Que a paz possa surgir nas escolas para tranquilidade das crianças. E que não tenham medo de ir para casa, porque sabem que os pais os acolhem como amor, sem violência doméstica. Se a paz não começar em casa, não vai existir nas escolas, nos bairros, não vai existir no país.

(Rodrigo Lopes) 

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