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segunda-feira, 7 de setembro de 2015

AI Portugal assinala positivamente entrada em vigor da autonomização do crime de mutilação genital feminina

A entrada em vigor da autonomização do crime de mutilação genital feminina no Código Penal Português, esta sexta-feira, 4 de setembro, é assinalada de forma positiva pela Amnistia Internacional Portugal, identificando que as alterações legislativas feitas estão em linha com algumas das recomendações já antes apresentadas pela organização de direitos humanos.


O novo artigo 144-A do Código Penal, intitulado Mutilação Genital Feminina, estabelece especificamente:1 - Quem mutilar genitalmente, total ou parcialmente, pessoa do sexo feminino através de clitoridectomia, de infibulação, de excisão ou de qualquer outra prática lesiva do aparelho genital feminino por razões não médicas é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos; 2 - Os atos preparatórios do crime previsto no número anterior são punidos com pena de prisão até três anos.”

Esta alteração está em linha com algumas das recomendações da AI Portugal que foram apresentadas quando estiveram em curso discussões de alterações ao Código Penal Português, as quais visavam autonomizar o crime de mutilação genital feminina (MGF).

A Amnistia Internacional considera positiva a autonomização do ato de MGF, sobretudo quando a legislação existente não permite aos magistrados lidar com os casos com que são confrontados. Contudo, a existência de uma proibição formal da MGF não é suficiente para se poder concluir que raparigas e mulheres estão realmente protegidas da MGF.

A própria Convenção de Istambul determina que os Estados tomem medidas efetivas e apropriadas para eliminar a MGF, o que implica trabalhar com as comunidades afetadas, desenvolvendo ações de sensibilização e de educação e promovendo a eliminação de estereótipos de género, bem como organizar formações para profissionais de várias valências. Assim, é necessário conjugar a prevenção com as alterações à lei penal, de forma a evitar eventuais efeitos – indesejáveis – de estigmatização de certas comunidades ou religiões.

Acresce que o impacto da criminalização da MGF está ainda por determinar, sobretudo entre os grupos mais vulneráveis como as crianças. Tal evidencia-se nos casos de condenação pelo crime de MGF. Os processos judiciais, as penas de prisão, as multas avultadas ou a separação prolongada da família poderão ter um impacto sério no bem-estar da criança. Por isso, é prioritário clarificar os objectivos que os Estados pretendem alcançar com o desenvolvimento de novas normas penais, em conformidade com a legislação e medidas existentes. Ou seja, a legislação por si só é importante no estabelecimento de regras para travar a MGF – dando um claro sinal de repúdio do ordenamento jurídico a esta prática, que merece sanção – mas a sua erradicação pressupõe que em paralelo se promova a prevenção.

O âmbito da nova legislação deve assim passar não só pela criminalização, mas também pela criação de mecanismos de prevenção e processos de apoio e sensibilização, especialmente junto das comunidades afectadas, envolvendo todos os seus elementos, sobretudo os mais influentes, como os líderes comunitários e religiosos, tal como referido no programa nacional de combate à MGF.
Estratégia europeia de combate à MGF

Em novembro de 2013, a Comissão Europeia anunciou uma nova estratégia para combater a MGF, não só na UE como fora do espaço europeu, com o intuito de passar a aplicar mais fundos europeus no apoio às vítimas, em matéria legislativa e na área da saúde, melhorando simultaneamente as leis de asilo da UE e a investigação relativamente a pessoas em risco.

A Comissão apelou ainda à necessidade do desenvolvimento de indicadores para conhecer os números da MGF, assim como de mais prevenção e de um maior apoio às vítimas mas também aos profissionais e ainda à punição eficaz dos Estados-membros da UE. A Amnistia Internacional tem-se dedicado ao tema, destacando vários aspectos, entre eles a responsabilidade dos Estados-membros da União Europeia na protecção de mulheres e raparigas submetidas à MGF, assim como das que se encontram em risco, bem como a necessidade da criação de medidas concretas de prevenção e de protecção.

A AI Portugal considera ainda que o Estado deve assegurar a recolha e disponibilidade de dados sobre a MGF, em território nacional e na UE, até porque o III Programa para a Prevenção e para a Eliminação da MGF, inserido no V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género 2014-17 prevê recursos adequados para que tal seja concretizado.

A organização de direitos humanos entende ainda que o Estado português pode e deve reforçar o trabalho político nesta matéria a vários níveis, quer no seio da UE, quer no contexto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, quer ainda no âmbito das Nações Unidas.
1830 raparigas e mulheres em Portugal

Neste sentido, a organização esteve presente no dia 15 de julho no lançamento do estudo sobre a prevalência da Mutilação Genital Feminina em Portugal, promovido pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género e a Fundação para a Ciência e Tecnologia, e levado a cabo pelo CESNOVA/CICS.NOVA da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Este projeto, intitulado “Mutilação Genital Feminina em Portugal: Prevalências, dinâmicas socioculturais e recomendações para a sua eliminação”, tem como principais objetivos: produzir conhecimento quantitativo e qualitativo que permita não só conhecer a prevalência do fenómeno em Portugal como aferir as representações e conhecimento da comunidade relativamente ao fenómeno e às respostas dos serviços de saúde, assim como que factores mantêm a prática de MGF em Portugal e que factores mantêm a prática fora de Portugal em famílias residentes no país. Tem ainda como objectivo perceber que tipo de respostas existem por parte do sistema de saúde e a forma como é, por ele, encarado este problema.

A estimativa apresentada por este estudo indica que 1830 mulheres e raparigas residentes em Portugal, com idades entre os 15 e os 19 anos, poderão ter sido ou serão submetidas a mutilação genital feminina. Os países de origem destas raparigas e mulheres são a Guiné -Bissau, a Guiné, o Senegal, o Egito, entre outros.

De acordo com os dados de um estudo anterior apresentado pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género, o número estimado de raparigas, do nascimento e até aos 18 anos e residentes em Portugal em 2011, que estavam em risco de mutilação genital feminina variava entre as 269 e 1096.

A Amnistia Internacional também esteve presente na sessão de arranque deste estudo, intitulado “Estimativa das meninas em risco de mutilação genital feminina na União Europeia”, realizado pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género e no qual Portugal é um dos três países participantes juntamente com a Irlanda e a Suécia.

A MGF reflete uma das muitas formas de violência contra as mulheres (física, psicológica, sexual), com nefastas consequências para a saúde, educação e capacidade de determinação das crianças, jovens e mulheres vítimas de MGF. Em conclusão, sendo este tema um problema social de reconhecida gravidade, assente em questões de discriminação e estigmatização com base no género, a Amnistia Internacional Portugal reitera a necessidade de uma imperiosa proteção das mulheres e raparigas submetidas e em risco de serem submetidas à prática.
 
 
 
  

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