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Joseph Pulitzer

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

CPLP: cobardia presidencial, legitimada por Passos

O leitor mais atento certamente regozijou com a postura de Cavaco Silva na cimeira da CPLP em Díli. Nem parecia o nosso Cavaco: determinado, sem papas na língua, apontou o dedo à falta de direitos humanos na Guiné Equatorial, à existência da pena de morte no país e à ausência de falantes de português na sua cultura. Era um Cavaco confiante, esclarecido e com atitude. 

Será que para termos um Cavaco Silva à altura das suas exigências o temos de mandar para Timor?

Certamente o País ficaria melhor dada a distância física de Cavaco mas, na realidade, pouco mudaria porque entre a presença e a ausência do Presidente da República pouca diferença se nota. E neste caso é simples perceber porquê: apesar de estrebuchar, Cavaco não vetou a entrada de um país que representa a antítese de tudo aquilo que os países da CPLP deveriam representar. E mais: contou com a complacência de Passos Coelho. O primeiro-ministro também manifestou algum desagrado, mas apenas um desagrado obsequioso, e sobretudo com a questão do protocolo. 
É que a organização timorense da cimeira colocou o presidente do país, Teodoro Obiang, como membro de pleno direito da organização logo no início dos trabalhos, mesmo antes de se proceder à aceitação da adesão do seu país pelos membros da comunidade, um pouco a fazer lembrar o filme “Os Fura-Casamentos”, em que os protagonistas entravam nas festas sem serem convidados. Desta forma a questão para Passos resume-se a um problema protocolar. No final das contas Cavaco e Passos não se opuseram à entrada de um país que não cumpre com nenhum dos requisitos necessários para pertencer à comunidade de estados lusófonos.

O que aconteceu por parte da comitiva portuguesa nesta cimeira tem um nome que agora assim de repente não me estou a recordar… Ah! Obrigado, prestável leitor. É isso mesmo: cobardia. Mas para que não parecesse assim tão mal, essa cobardia foi escudada no suposto sucesso diplomático da organização da cimeira pelos nossos amigos timorenses. Ter-se-ão esquecido Cavaco e Passos de que esses nossos amigos timorenses são homens de princípios, lutadores de causas, combatentes pelos direitos humanos. Talvez tivesse Portugal ajudado a dignificar a organização da reunião timorense se tivesse a coragem de dizer não à entrada de um regime déspota, com o oitavo presidente mais rico do mundo e o maior PIB dos países africanos, mas com 80 por cento da população a passar necessidades. 
Um país que não fala português, não respeita os direitos humanos, não realiza eleições credíveis, onde não é exercida a divisão de poderes, que é gerido por uma família que comete todo o tipo de atropelos às liberdades e garantias dos cidadãos, e pratica a pena de morte. Onde o filho do presidente, Teodoro Nguema Obiang, é o segundo vice-presidente do país, tendo sobre ele sido emitidos mandados de captura por acusação de branqueamento de capitais e desvio de fundos. Onde outro dos filhos do chefe de Estado, Gabriel Obiang Lima, ocupa o cargo de ministro das Minas, Indústria e Energia, e um dos seus irmãos, o general Antonio Mba Nguema, é o ministro da Defesa.

Posto isto, e para que o leitor tenha uma ideia dos fundamentos da CPLP, este é o ponto terceiro da nota informativa da X Conferência dos seus chefes de estado, em Díli: “Reafirmaram a plena validade do compromisso histórico consagrado na Declaração Constitutiva da CPLP, com a progressiva afirmação internacional do conjunto dos estados membros, (…) identificado pelo idioma comum, e pelos primados da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social.” Todos predicados equato-guineenses.

Obiang Teodoro é presidente do país desde 1979 (empatando com o seu amigo e aliado Eduardo dos Santos e perdendo apenas para Alberto João Jardim que é presidente da Região Autónoma da Madeira desde 1975) permitiu propositadamente que se divulgassem rumores sobre o seu canibalismo a fim de propagar o medo entre os seus opositores. O canibalismo é pois arma psicológica de guerra da Guiné Equatorial. Este é apenas um pormenor do presidente todo-poderoso de um regime discriminatório, corrupto e opressivo, de um país sem liberdade de imprensa e que anunciou a sua adesão à comunidade de países lusófonos, no sítio oficial do governo, em castelhano, francês e inglês.

Em troca do aumento da produção de barris de petróleo – com a entrada da Guiné Equatorial, a CPLP passa a produzir cinco milhões de barris por dia, sendo o quarto maior produtor de petróleo do mundo, sem rigorosamente nenhum benefício para as suas populações –, a Guiné Equatorial passa a ter reconhecimento e prestígio internacionais. Esse reconhecimento e prestígio são somados ao país de Obiang exatamente na mesma proporção com que são subtraídos à CPLP. E a cada um dos seus estados-membro. É, digamos, uma troca por troca tão justa e sensata quanto a consciência dos que a aprovaram. No pacote segue ainda o compromisso equato-guineense de ensinar o português nas suas escolas (já o mesmo havia feito relativamente ao francês, e até hoje rien de rien), e acabar definitivamente com a pena de morte. Neste momento o que existe é apenas uma suspensão.

Pois é, compadre leitor. O que parecia, nas primeiras linhas, um elogio à atuação de Cavaco Silva não passa, neste parágrafo, de um lamento sobre Cavaco Silva. Não sei se lastimo mais o seu comportamento tão infelizmente português, se o futuro da CPLP. É que Portugal já nós sabemos que não tem remédio. Mas quer o leitor quer eu próprio nutríamos um misto de respeito e afeto pelo espírito da CPLP. É uma lei da vida. Tudo tem um fim. A CPLP que, até há poucos dias, era uma organização na realidade sem grandes efeitos práticos, mas com muito boas intenções, passa agora a ser outra CPLP: Cobardia Presidencial, Legitimada por Passos. Contudo, Aníbal e Pedro deverão ter cuidado com esta perigosa amizade com Obiang. 
Sendo ele canibal, a prudência aconselha a poucas confianças. Porque se lhe dão uma mão, ele come--lhes os braços.

(de: Bruno Ferreira, in: Diário Alentejo)



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