Estão à porta de um antigo pavilhão com quartos individuais para doentes com tuberculose, edifício abandonado numa das extremidades do Hospital Regional de Gabu e hoje apresentado como centro de isolamento face ao vírus que assola a África Ocidental e ameaça o mundo.
A cama no quarto que as enfermeiras utilizam é a única que tem colchão e lençóis.
O resto do pavilhão é ocupado por estruturas enferrujadas de camas e antigo mobiliário, pilhas de ferro-velho em salas degradadas e esquecidas no tempo.
Ainda assim, um dos administradores do hospital diz com naturalidade que cada quarto tem casa de banho individual e que se surgir algum caso de Ébola depressa se põe um colchão numa daquelas estruturas.
Situada no Leste, Gabu é a cidade da Guiné-Bissau mais próxima da fronteira com a Guiné-Conacri (cerca de 40 quilómetros) e por isso mais susceptível ao contacto com o país onde o surto de Ébola eclodiu e já matou centenas de pessoas.
Aqui e ali evoca-se a ajuda de Deus para manter o vírus afastado.
No hospital só há um "kit" de equipamento de protecção integral (fato de corpo inteiro, luvas, óculos e outros elementos) para o caso de algum profissional precisar de se resguardar de algum caso suspeito - trata-se do "kit" que serviu de amostra durante uma formação dada pelos Médicos Sem Fronteiras em junho.
Nos centros de saúde junto à fronteira também só há um "kit" em cada um, disse à Lusa, Vitorino Aiogalé, director regional de Saúde, que acrescenta: nas 19 áreas sanitárias da região de Gabu há vários centros que ainda não receberam nada para se protegerem contra o Ébola.
Em Bissau, os serviços do Ministério da Saúde garantiram na última semana que já havia equipamento de protecção integral por todo o país, mas no terreno o cenário é diferente - e é este que vão encontrar as equipas que as autoridades portuguesas planeiam fazer deslocar à Guiné-Bissau nas próximas semanas.
O cenário de precariedade é transversal a todo o sistema de saúde pública da Guiné-Bissau (Gabu nem é o pior caso), reflexo da situação de um dos países mais pobres e instáveis do mundo, onde por mais boa vontade que exista por parte de vários profissionais de saúde, a falta de recursos é crónica.
"Há precariedade, pobreza, mas se surgir Ébola, pode não ser assim tão perigoso. A população está bastante informada. Quando veem alguma pessoa estranha informam imediatamente, não ficam calados", descreve António Sidjanho, director regional de Saúde de Bafatá (segunda maior cidade do país, adjacente a Gabu).
Nos últimos meses, já se habituou aos alertas regulares dos residentes, através de telemóvel, e o zelo já fez com que uma dúzia de pessoas fosse colocada em quarentena em salas dos hospitais de Gabu e Bafatá, nos meses de agosto e setembro, sem sequer terem sintomas.
"Não vale a pena colocar em quarentena pessoas sem sintomas", reconhece hoje Sidjanho.
É no seu gabinete, encostada a uma parede, que está guardada uma caixa com 50 "kits" de protecção integral contra o Ébola e garante que, apesar de estarem ali, alguns já foram utilizados no hospital - para lidar com os casos de quarentena, sem sintomas.
No caso de ser detectado qualquer caso suspeito, ali como em Gabu, os médicos dizem ter instruções para alertar de imediato a equipa de resposta rápida dos MSF estacionada em Bissau - e ao mesmo tempo manter a pessoa em causa isolada.
"Temos as mínimas condições" para enfrentar a ameaça, acrescenta.
Com ou sem Ébola à espreita, as unidades de saúde da região já deviam ter há muito tempo "luvas clínicas descartáveis" para utilização nas consultas, reclama António Sidjanho.
O vírus que agora anda a solta vem expor ainda mais as fragilidades de um sistema de saúde debilitado.
(foto: net) |
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