Um alegado esquema de migração clandestina para o Brasil, envolvendo cidadãos da Guiné-Bissau, pode estar na base de reforço de medidas preventivas de controlo adoptadas recentemente em relação a passageiros de Cabo Verde para Fortaleza. Por causa disso, a TACV já foi obrigada, várias vezes, a arcar com despesas inerentes ao retorno de passageiros considerados “inadmissíveis” pela Polícia Federal do Brasil.
Nos últimos meses,
vários cidadãos guineenses foram barrados em Fortaleza pelas autoridades
de fronteiras do Brasil, alegadamente, por não reunirem as condições de
“admissibilidade” para a entrada e permanência naquele país. Tais
cidadãos, alguns com residência em Cabo Verde, e outros em trânsito,
foram impedidos de entrar no Brasil, essencialmente, por incapacidade de
apresentarem comprovativos de garantia de sustentabilidade da sua
estada naquele país sul-americano.
Essa situação vem
criando, também, constrangimentos ao consulado brasileiro na Praia, que,
no entanto, se demarca de qualquer acção ilícita que tenha a ver com um
alegado fluxo de migração clandestina de guineenses ao Brasil, a partir
de Cabo Verde.
No passado dia 21, o número dois da embaixada brasileira,
Alexandre Scultori, ainda não tinha o ponto da situação sobre o número
dos “inadmissíveis” em Fortaleza. E também se os vistos foram emitidos
na Praia, ou noutro país. Mas esclarece, no entanto, que o visto, em si,
não significa uma garantia de entrada em qualquer país.
“O visto é uma
expectativa do direito”, explica. “São as autoridades de migração nas
fronteiras é que decidem, de facto, e em última instância, quem entra ou
não num dado país”.
Na óptica do
diplomata, a concessão do visto “é uma primeira triagem”. Mas no caso em
específico de cidadãos que tentaram entrar no Brasil, a partir de Cabo
Verde, Scultori admite que tem havido incorrecções na demanda dos
vistos.
E acrescenta: “As
pessoas apresentam um comprovativo de reserva de hotel e, depois da
obtenção do visto, cancelam a reserva. E quando a Polícia Federal
descobre que a reserva está cancelada, ela impede a entrada da pessoa.
Pode-se obter o visto, mas havendo uma contradição nas informações, o
passageiro regressa no mesmo voo. E em relação à reserva de hotel é uma
contradição evidente”.
Questionado se de
facto os “inadmissíveis” serem todos da Guiné-Bissau não poderá indiciar
um esquema de imigração clandestina, designadamente a partir de Cabo
Verde, o nosso interlocutor respondeu que não sabe. “Já comunicamos o
nosso Ministério, que já entrou em contacto com a Polícia Federal para
averiguarem o caso. São eles, no Brasil, é que poderão dizer se há ou
não imigração ilegal, porque têm uma visão mais abrangente do problema”.
DEF LAVA AS MÃOS
O comandante da
Direcção de Estrangeiros e Fronteiras (DEF), intendente Emanuel Staline,
contactado também por A NAÇÃO, afirma que a Polícia Nacional (PN) não
tem “rigorosamente” nada a ver com este caso. E isto porque todos os
guineenses considerados “inadmissíveis” pelas autoridades brasileiras
“saíram de Cabo Verde com um visto válido emitido pelo Consulado do
Brasil”.
Interrogado se não se
estará perante um esquema de imigração ilegal, Staline reconhece que a
situação é “muito estranha”, porque “é cada vez mais crescente o número
de retornos” nos voos da TACV em direcção a Fortaleza.
O intendente considera
que perante tal facto o Consulado do Brasil em Cabo Verde deve, no
mínimo, rever a sua política de vistos. E isto porque, para além dos
passageiros em trânsito, “há um número significativo guineenses
residentes em Cabo Verde que obtêm vistos sem quaisquer problemas”.
E mais: “Os
responsáveis do Consulado do Brasil devem criar mecanismos que lhes
permitam obter mais informações sobre os demandantes de vistos, para que
possam saber se um determinado indivíduo tem, ou não, condições para
entrar no Brasil”.
Staline reconhece, e confirma, que a obtenção do visto “não significa logo uma autorização de entrada num determinado país”.
O nosso interlocutor
reitera, também, que o fenómeno dos “inadmissíveis” é completamente
alheia à DEF, revelando que já houve situações em que a polícia de
fronteiras de Cabo Verde impediu passageiros de seguirem viagem. “Houve
recentemente um número significativo de cidadãos da Guiné Conacri que
pretendiam deslocar-se à Fortaleza e a Luanda, mas foram impedidos
porque detectamos que os vistos eram falsos”.
O intendente considera
que o aperto do crivo pela Polícia Federal brasileira é uma tentativa
de estancar situações de permanência ilegal no Brasil. E isso aconteceu,
acredita, “porque certamente terão detectado que o número de entradas
de guineenses não tem correspondido com o número de saídas”.
Por trás de um alegado esquema migração clandestina para o
Brasil podem estar três ou quatro guineenses, residentes na cidade da
Praia, com ligações a algumas agências de viagem e “antenas” no
consulado brasileiro. Segundo uma fonte, o Brasil não é o principal
destino dos guineenses que o utilizam com trânsito para países
fronteiriços, onde vão procurar trabalho no garimpo, com riscos de se
transformarem em escravos nas mãos de angariadores sem escrúpulos.
TACV aperta escrutínio
Quem não está para
meias medidas em relação aos “inadmissíveis” é a TACV. Ao sentir-se
lesada com o retorno “massivo” de passageiros sem condições de entrar no
Brasil resolveu apertar a sua triagem dos passageiros com destino a
Fortaleza. Até porque já verificou que, no fim, é ela que tem de trazer
de volta os passageiros, como mandam as regras internacionais.
Segundo um comunicado
recente daquela transportadora, nos últimos tempos, vem-se verificando
um número elevado de passageiros dos voos da TACV da Praia para
Fortaleza que são rejeitados em Fortaleza.
“Em geral trata-se de
passageiros com passaporte válidos e vistos emitidos pelas autoridades
consulares competentes mas que não reúnem outras condições,
nomeadamente, comprovativo de meios de subsistência de acordo com o
período previsto de estadia no Brasil, motivo da viagem e local de
alojamento. Esta situação tem trazido encargos avultados para a
transportadora aérea nacional, visto que todos esses passageiros têm de
regressar no mesmo voo, causando transtornos também, a quem quer
embarcar”, diz o comunicado.
Para colmatar a
situação, a TACV passou a aceitar apenas passageiros que reúnam “todas
as condições” exigidas pelo Brasil. Ou seja, aqueles que estejam com o
passaporte válido, visto adequado e que possam comprovar meios de
subsistência, motivo de viagem e local de estadia ou reserva de hotel.
Ainda o mesmo
comunicado, tal medida começou a ser implementada a 18 de Dezembro
passado. Nesse dia constavam no sistema 65 passageiros que não reuniam
todas os requisitos para seguirem viagem. Desses, apenas 17
apresentaram-se para o check-in, tendo a maioria desistido de embarcar
quando se aperceberam de que a companhia estava a fazer a triagem. Dos
17, apenas três reuniam todas as condições para embarcar.
Uma semana mais tarde,
isto é, no voo de 26 de Dezembro, constavam da lista 45 passageiros em
situação de inadmissibilidade, mas só metade se apresentou ao chek-in e,
destes, só dois reuniam todas as condições para viajar. Por esse
motivo, os passageiros rejeitados quiseram realizar uma manifestação.
No voo do passado 2 de
Janeiro constavam 32 passageiros identificados previamente como
duvidosos pelas entidades brasileiras. Pelo controlo da TACV foram
admitidos inicialmente 19. Entretanto, acabaram por embarcar 17. Desses,
oito foram retornados no mesmo voo. Já a 8 de Janeiro a situação se
agravou tendo os passageiros não admitidos no voo invadido os
escritórios da escala da Praia. Nesse voo dos 14 passageiros aceites
pela TACV, 11 não tiveram permissão de entrada no Brasil e foram
retornados pela Polícia Federal.
(foto: a nação) |
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