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Joseph Pulitzer

sábado, 5 de abril de 2014

Nem tudo que brilha é ouro

Comité da ONU alerta para violações sistemáticas de direitos humanos nos Estados Unidos

 

Segundo órgão das Nações Unidas, o país enfrenta problemas graves como discriminação racial, pena de morte, tortura, violência policial e criminalização dos sem-teto. Relatório faz diversas recomendações ao governo americano.




Após realizar sua última sessão, de 10 a 28 de março, o Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas publicou, na semana passada, um relatório com conclusões sobre o estado os direitos humanos nos Estados Unidos.
O órgão da ONU, com sede em Genebra, denunciou graves problemas como discriminação racial, pena de morte, tortura, violência policial e criminalização dos sem-teto, entre outros, além de fazer recomendações e destacar aspectos positivos.
“O Comitê lamenta que o governo dos EUA ainda considere que o Pacto [dos Direitos Civis e Políticos] não se aplique a cidadãos fora de seu território, algo contrário à interpretação do acordo”, diz o relatório, que também nota que o país possui poucas instituições e políticas, a nível local e federal, de implementação e respeito aos direitos humanos.
“Somados, esses fatores limitam consideravelmente a extensão legal e a relevância prática do Pacto”. Como recomendações gerais, o relatório pediu ao governo para que reconsiderasse suas posições legais sobre a aplicabilidade das leis de direitos humanos, engajasse as autoridades e fortalecesse sua rede de monitoramento e implementação dos direitos em todos os níveis – local, estadual e federal.

Discriminação no Judiciário e pena de morte preocupam
Apontando para grandes desigualdades raciais no judiciário norte-americano, o relatório denunciou a “super-representatividade de certas minorias étnicas e raciais nas prisões”. Segundo o Departamento de Estatísticas Jurídicas dos EUA, em 2006, quase 5% da população negra não latina no país encontrava-se encarcerada, contra 1,9% dos latinos e somente 0,7% dos brancos não latinos.


O relatório demonstrou ainda preocupação com políticas de segurança baseadas em perfis raciais, que “miram certas minorias étnicas” e, por exemplo, “mantêm indivíduos muçulmanos sob vigia mesmo que sem suspeitas de qualquer ato criminoso”.
Já a pena de morte continua um tópico polémico nos EUA – o único país das Américas com execuções activas. Além de frisar que o número de afro-descendentes condenados à pena capital é desproporcional, o Comitê alertou para o “alto número de pessoas inocentes sentenciadas à morte”.
Dezasseis Estados norte-americanos não provêm nenhum tipo de compensação por execuções erróneas, sendo que muitos outros possuem compensações insuficientes. Desde 1976, os EUA executaram 1.373 pessoas – quase dois terços (65%) nos Estados do Texas (512 mortes), Virgínia e Oklahoma (110 mortes cada).
Violência policial e tortura
Outros tópicos importantes levantados pelo Comitê são a alta incidência de violência armada entre os cidadãos, o uso desmedido da força por parte da polícia e a prática da tortura. Com mais de 30 mil mortes por armas de fogo (sendo 11 mil homicídios) somente em 2010, os Estados Unidos são o país desenvolvido com o maior número de fatalidades deste tipo, relativo à sua população.


Tal violência encontra reflexos nas acções policiais, que registaram um “alto número de disparos fatais”, um “uso excessivo de força por certos agentes de segurança, incluindo o manuseio fatal de tasers” e, no que diz respeito à imigração, “acções letais pelo Serviço de Protecção de Fronteiras e Alfândega na fronteira com o México”.
Adicionalmente, diz o relatório, “o Comitê está preocupado com a falta de leis abrangentes que criminalizem todas as formas de tortura”, bem como “pela dificuldade de vítimas desta prática em conseguirem compensação”. Com isso, o relatório pediu a proibição expressa da tortura e uma legislação que melhorasse a investigação e punição de seus perpetradores.


Legislação trabalhista falha e criminalização dos moradores de rua
Em paralelo ao aumento da pobreza e das desigualdades socioeconómicos, o relatório alerta para as precárias condições de trabalho no país. Além da criminalização da prostituição e da insuficiência de investigações sobre casos de exploração laboral e sexual, o Comité aponta que “certas categorias profissionais, como trabalhadores rurais e domésticos, estão excluídos de leis de proteção do trabalho, ficando mais vulneráveis ao tráfico e à exploração”.
Os problemas sociais se alastram através de políticas incomuns aos países desenvolvidos, como medidas de punição física em escolas (inclusive em crianças) e instituições penais, bem como o aumento de práticas coercitivas nos serviços de saúde mental, como a aplicação forçada de medicamentos psiquiátricos e eletrochoques.
Mais gravemente, o relatório menciona “um tratamento cruel, inumano e degradante” com os pobres e desabrigados do país, dizendo-se “alarmado pelos relatos de criminalização de pessoas vivendo nas ruas por actos simples como comer, dormir ou sentar por longos períodos em áreas públicas”. O Comité pediu enfaticamente a abolição de políticas com essa finalidade.

NSA e ‘drones’: ameaças aos direitos humanos
O relatório dedicou especial atenção aos casos de espionagem digital realizados pela Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA), afirmando que “o atual sistema de monitoramento da NSA falha em efetivamente proteger os direitos dos cidadãos, e é imperativo que qualquer interferência no direito à privacidade seja publicamente notificada”.



Baixas devidas ao uso de veículos aéreos não tripulados (VANT) – mais conhecidos como “drones” – foram criticadas pela “falta de transparência nos critérios para os ataques” e pela “ausência de responsabilização sobre as perdas resultantes dos mesmos”.
Segundo o Comité, a interpretação vaga do que seria uma “ameaça iminente” e a dificuldade dos veículos em distinguir civis de combatentes põem em xeque o uso dos aparelhos em confrontos, sendo necessária uma urgente revisão de tais práticas militares.
O Comité também citou os problemas na prisão de Guantánamo, afirmando que os EUA devem “acelerar a transferência de presos designados para a transferência, inclusive para o Iêmen, assim como [acelerar] o processo de revisão periódica para os detidos”, garantindo ou seu julgamento ou sua libertação imediata.
O Comité da ONU foi enfático ao pedir o encerramento da prisão norte-americana de Guantánamo, uma posição já exposta diversas vezes por autoridades de alto escalão das Nações Unidas.
O órgão pede ainda o fim do sistema de detenção administrativa, sem acusação ou julgamento, que seja assegurado que “todos os casos criminais contra detidos em Guantánamo e instalações militares no Afeganistão sejam tratados dentro do sistema de justiça criminal, em vez de comissões militares, e que aos detidos sejam oferecidas as garantias de um julgamento justo consagrado no artigo 14 do Pacto”.

Oitenta mil pessoas em confinamento solitário
Em 2013, em meio a uma greve de fome em massa na Califórnia, o relator especial da ONU sobre tortura, Juan E. Méndez, pediu ao governo que abolisse o confinamento solitário por tempo prolongado ou indefinido.
“Mesmo que o confinamento solitário seja aplicado por curtos períodos de tempo, muitas vezes ele provoca sofrimento ou a humilhação física e mental, agravando o tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, disse Méndez, acrescentando que “se a dor ou o sofrimento resultante é grave, o confinamento solitário equivale à tortura”.
Aproximadamente 80 mil prisioneiros nos Estados Unidos são submetidos ao confinamento solitário e actualmente 12 mil prisioneiros estão em isolamento no estado da Califórnia.

Sobre o Comitê de Direitos Humanos da ONU
Com sede em Genebra, na Suíça, o Comité de Direitos Humanos da ONU é o órgão de especialistas independentes que monitoriza a implementação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos por seus Estados Partes. Todos os Estados Partes são obrigados a apresentar relatórios periódicos ao Comité sobre a forma como os direitos estão sendo implementados.
Eles devem realizar a primeira comunicação um ano após a adesão ao Pacto e, em seguida, sempre que haja pedidos do Comité (geralmente a cada quatro anos). O Comité examina cada relatório e levanta suas preocupações e recomendações ao Estado Parte na forma de “observações finais”.

 (Fonte: ONU)

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