As limitações que o Estado da Guiné Bissau oferece aos seus habitantes, agravadas com o contexto de transição política no qual o país está envolto desde o último Golpe de Estado (sofrido a 12 de Abril de 2012), fazem com que o dia a dia seja incómodo e nada fácil para a grande maioria dos seus 1.6 milhões de habitantes.
Cadija Mané, socióloga especializada em Direitos Humanos, fica com a voz trémula e os olhos chorosos quando explica a situação com a qual a população da Guiné Bissau vive neste momento concreto:
É vergonhoso, miserável e lamentável que estejamos a fazer 40 anos da independência e vivamos num país onde não podemos sonhar!
Sentir as carências de um país onde os principais serviços básicos, como electricidade e água potável, faltam continuamente em casa não é fácil. A indignação é evidente: hospitais sem material técnico e humano suficiente, escolas sem professores bem formados, carências alimentares nas zonas mais rurais, violações dos direitos das mulheres, intimidação e falta de liberdade de expressão, corrupção, narcotráfico, falta de um sistema de comunicações…
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) coloca a Guiné Bissau, um pequeno país localizado entre o Senegal e a Guiné Conacri, no lugar 176 de 186 países. Se a isto somarmos que a esperança de vida à nascença é de 48 anos, que o produto interno bruto per cápita é 1.042 dólares e que a taxa de abandono escolar está nos 88%, entre outros dados, ficamos com uma pequena ideia de quais são as condições de vida que o país oferece. Na capital, Bissau, estes números não são muito visíveis, com excepção das estradas esburacadas e por asfaltar, o lixo atirado para qualquer esquina – incluindo o próprio Palácio Presidencial -, ou a escuridão absoluta que se apodera da cidade depois do pôr do sol.
É mais nas zonas rurais que se observam as carências e onde as dificuldades económicas para a alimentação começam a ser consideráveis, sobretudo depois de este ano terem baixado o preço da castanha de cajú, a fonte mais importante de rendimento neste país.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a Guiné Bissau atravessa neste momento uma importante falta de alimentos que poderá estar a afectar cerca de 260.000 personas do interior, devido à má produção agrícola e à instabilidade política que vive.
Talvez seja por isso que o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e das Comunidades do actual governo de transição, Fernando Delfim da Silva, considera como política prioritária a garatia da segurança alimentar. A partir do seu grande escritório no Palácio do Governo de Bissau, Da Silva explica com gestos preocupados e fazendo de certa forma uma chamada à Comunidade Internacional:
Desde que começamos o ciclo da castanha de cajú, há muitos anos atrás, as pessoas trocavam cajú com arroz. Assim, um quilo de arroz era igual a um quilo de cajú. Hoje, por contrário, com um quilo de arroz, compras três de castanha de cajú, o que significa que há uma deterioração do câmbio, um problema sério para o qual necessitamos de ajuda.
A falta de empresas transformadoras tanto deste produto, que chega a exportar mais de 200.000 toneladas em bruto por ano, como de outros que o país oferece, é uma das principais causas das limitações para o seu desenvolvimento. Da Silva assegura que a chave está na transformação:
temos de transformar os nossos produtos agrícolas. Sem isso não iremos ter boas estradas nem boas escolas nem bons centros hospitalares nem boas instituições públicas. É urgente mudar e transformar o modelo económico ja que aquele que temos cria pobreza em vez de combatê-la. E não é muito difícil. Transformando isso, em quatro ou cinco anos a Guiné Bissau poderia reduzir bastante os índices de pobreza e criar quase 20.000 postos de trabalho. E tudo isso sem usar tecnologia sofisticada nem complicada!
Ele está convencido de que é essa a mudança que o país há-de procurar para alcançar níveis de desenvolvimento humano, económico e social dignos de serem vividos.
Desde que começamos o ciclo da castanha de cajú, há muitos anos atrás, as pessoas trocavam cajú com arroz. Assim, um quilo de arroz era igual a um quilo de cajú. Hoje, por contrário, com um quilo de arroz, compras três de castanha de cajú, o que significa que há uma deterioração do câmbio, um problema sério para o qual necessitamos de ajuda.
A falta de empresas transformadoras tanto deste produto, que chega a exportar mais de 200.000 toneladas em bruto por ano, como de outros que o país oferece, é uma das principais causas das limitações para o seu desenvolvimento. Da Silva assegura que a chave está na transformação:
temos de transformar os nossos produtos agrícolas. Sem isso não iremos ter boas estradas nem boas escolas nem bons centros hospitalares nem boas instituições públicas. É urgente mudar e transformar o modelo económico ja que aquele que temos cria pobreza em vez de combatê-la. E não é muito difícil. Transformando isso, em quatro ou cinco anos a Guiné Bissau poderia reduzir bastante os índices de pobreza e criar quase 20.000 postos de trabalho. E tudo isso sem usar tecnologia sofisticada nem complicada!
Ele está convencido de que é essa a mudança que o país há-de procurar para alcançar níveis de desenvolvimento humano, económico e social dignos de serem vividos.
A data prevista para a realização de eleições democráticas para a Presidência da Guiné Bissau, 24 de Novembro de 2013*, sempre foi vista com insegurança e desconfiança pelos cidadãos e cidadãs guineenses. Poucas pessoas acreditavam que as urnas realizariam a sua função sem impedimento algum.
Paula Fortes, jornalista afrobrasileira com raízes guineenses, mostra-se “de pé atrás” à espera do que possa acontecer. Ela não acredita que as coisas vão mudar, ainda que o deseje, mas vê o futuro da sua terra muito incerto por conta da falta de estabilidade política que a acompanha. Talvez o facto de ter vivido a guerra de 1998, motivo pelo qual teve de sair de Bissau com 14 anos só com uma bolsa com os seus bens mais pessoais, rápida e directamente para o porto em busca do barco que a levaria para Cabo Verde, não a ajude a ver o futuro com prosperidade. Recorda aqueles acontecimentos com muita tristeza, como a maior cicatriz da sua vida.
Por causa disso, e também pela vergonha que ainda sente quando vê que interferem com o seu país – referindo-se ao último Golpe de Estado – começou a fazer parte do Movimento Ação Cidadã (MAC). O movimento foi criado após o mesmo golpe por um grupo de jovens indignados com tantos vaivéns políticos injustos, e sob o lema que o herói nacional, Amílcar Cabral, predicava nos seus dias: pensar pelas nossas próprias cabeças, andar com os nossos próprios pés.
O objetivo era questionar o que estava a acontecer e como dar andamento a soluções construtivas “deixando o mundo imaginário” de lado, porque para Fortes há que diferenciar entre o mundo das ideias e o mundo das acções. Para mostrar a importância do activismo social como meio para alcançar a mudança [necessária], ela conta:
Uma coisa é dizer que estou a pensar plantar uma árvore e outra coisa é dizer que plantei uma árvore, é dizer que coloquei uma semente [na terra] e sinto a obrigação de regá-la todos os dias para que a planta não morra.
A jovem jornalista também acredita que o nível de reflexão na Guiné Bissau é “baixo” e que se prefere sempre recorrer à ajuda internacional para solucionar os problemas, mas “temos de ser nós, homens e mulheres, os protagonistas da mudança do nosso país”, exclama com um olhar seguro e levantando a voz numa das salas da Liga Guineense dos Direitos Humanos de Bissau, a partir de onde trabalha agora.
Paula Fortes, jornalista afrobrasileira com raízes guineenses, mostra-se “de pé atrás” à espera do que possa acontecer. Ela não acredita que as coisas vão mudar, ainda que o deseje, mas vê o futuro da sua terra muito incerto por conta da falta de estabilidade política que a acompanha. Talvez o facto de ter vivido a guerra de 1998, motivo pelo qual teve de sair de Bissau com 14 anos só com uma bolsa com os seus bens mais pessoais, rápida e directamente para o porto em busca do barco que a levaria para Cabo Verde, não a ajude a ver o futuro com prosperidade. Recorda aqueles acontecimentos com muita tristeza, como a maior cicatriz da sua vida.
Por causa disso, e também pela vergonha que ainda sente quando vê que interferem com o seu país – referindo-se ao último Golpe de Estado – começou a fazer parte do Movimento Ação Cidadã (MAC). O movimento foi criado após o mesmo golpe por um grupo de jovens indignados com tantos vaivéns políticos injustos, e sob o lema que o herói nacional, Amílcar Cabral, predicava nos seus dias: pensar pelas nossas próprias cabeças, andar com os nossos próprios pés.
O objetivo era questionar o que estava a acontecer e como dar andamento a soluções construtivas “deixando o mundo imaginário” de lado, porque para Fortes há que diferenciar entre o mundo das ideias e o mundo das acções. Para mostrar a importância do activismo social como meio para alcançar a mudança [necessária], ela conta:
Uma coisa é dizer que estou a pensar plantar uma árvore e outra coisa é dizer que plantei uma árvore, é dizer que coloquei uma semente [na terra] e sinto a obrigação de regá-la todos os dias para que a planta não morra.
A jovem jornalista também acredita que o nível de reflexão na Guiné Bissau é “baixo” e que se prefere sempre recorrer à ajuda internacional para solucionar os problemas, mas “temos de ser nós, homens e mulheres, os protagonistas da mudança do nosso país”, exclama com um olhar seguro e levantando a voz numa das salas da Liga Guineense dos Direitos Humanos de Bissau, a partir de onde trabalha agora.
Elizabeth Myrian Fernandes, outra participante do movimento, geralmente envolvida num programa de rádio que emite aos domingos, também sente que está a plantar uma semente, especialmente com os djumbais (palavra crioula usada para se referir a uma reunião onde as pessoas podem expressar-se livremente, sem quaisquer restrições) que acontecem no interior do país com a juventude guineense. O que é a transição política e o que esperam da democracia são questões-chave destas reuniões dinâmicas e altamente participativas, cujo objetivo é capacitar os e as jovens e reflectir colectivamente sobre o que está a acontecer na Guiné-Bissau.
O último djumbai tomou lugar na capital da região de Biombo, Quinhamel, onde cerca de 25 pessoas partilharam os problemas que identificam na sua localidade assim como a responsabilidade que têm entre eles. Amadú Mbalo, de 22 anos, assegurava que o principal problema nesta região é a falta de organização social para fazer frente tanto às dificuldades como às próprias autoridades locais, dada a escassez de vontade política que demonstram em relação à comunidade. Ao final de um intenso dia de debate e discussão, ele estava convencido da importância do djumbai porque “serviu-nos para pensar em acções futuras e unir mais jovens com o fim de trabalhar mais e melhor pela nossa região”, relatava sorridente e orgulhoso da jornada.
Este movimento, que parte da base de não ter qualquer organização legal, de contar com uma estrutura horizontal e de autofinanciar as suas actividades, pretende chegar mais além do que o fim da transição política, embora a decisão de como fazê-lo ainda esteja só no ar.
Um convite recente para partilharem a sua experiência de activismo social e político numas jornadas internacionais sobre cidadania activa, DEEP Global Conference “Building a Global Citizens Movement”, no início de Novembro em Joanesburgo, deu-lhes mais força, entusiasmo e vontade de prosseguirem com esta luta. Uma luta que nem sempre tem sido fácil – algumas das pessoas que integram o movimento permanecem no anonimato pelas possíveis represálias políticas que podiam ter – mas que acreditam que há-de ser constante pela lufada de ar fresco que trazem ao país e porque, com movimentos como este, poder-se-ia alcançar rapidamente os sonhos de toda a Guiné Bissau.
(NOTA 1: Desde a data da publicação original desta reportagem, o presidente de transição da Guiné-Bissau, já afirmou, a 8 de Outubro, que uma nova data para as eleições gerais no país deverá ser definida durante a cimeira de chefes de estado da CEDEAO)
(NOTA 2: Este artigo, escrito por Silvia Arjona Martín, foi publicado
originalmente no website de AECOS com o título Aire limpio para
Guinea-Bissau, a 26 de Agosto de 2013.)
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