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Joseph Pulitzer

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O risco de adiamento da Nação


O RISCO DE ADIAMENTO DA NAÇÃO


Se não houvesse o fatídico dia 20 de Janeiro de 1973 talvez estaríamos, neste preciso momento, a discutir os progressos alcançados, a coesão nacional reforçada e, ainda, a dissertar sobre os modelos de desenvolvimento económico e social para os próximos vinte ou quarenta anos. Ou, quem sabe, estariam ser inauguradas mais infraestruturas educativas, sociais, culturais e investimentos económicos, industriais etc. Talvez até, neste preciso momento, não me debruçaria para uma reflexão sobre atual situação política do País e produção deste artigo evocando questões preocupantes que me atravessam a alma.
Creio que, com a morte do saudoso Amílcar Cabral, o projeto de construção da Nação alicerçado em valores democráticos, progresso e desenvolvimento, foi substituído pela transição oportuna onde o adiamento consubstancia a palavra de ordem. Mas, não escrevo este artigo para recordar o homem, político, revolucionário e visionário que foi Amílcar Cabral, pois o mesmo encontra-se espiritualmente presente nas nossas causas e no nosso modo de pensar a ideologia política guineense.
Contudo, antes de entrar na essência do artigo propriamente dito, recorro a uma citação bíblica, se me permitem, para homenagear Amílcar Cabral e demonstrar, neste preciso momento, o meu estado de alma:
Todavia o meu povo trocou a sua glória por aquilo que é de nenhum proveito. Espantai-vos disto, ó céus, e horrorizai-vos! Ficai verdadeiramente desolados, diz o Senhor. Porque o meu povo fez duas maldades: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm águas.” (Jeremias 2:11-13)
Na verdade, como o próprio título do artigo sugere, é hábito referir que a essência do risco não é tanto aquilo que está a acontecer, mas sim aquilo que pode acontecer. De facto, sabendo que o risco é de certo modo omnipresente, torna-se utópico pensar que podemos eliminar todas as variáveis que condicionam o processo gerador da sua observância. A título de exemplo, tomemos como ponto de partida o projeto de construção da Nação Guineense para se ter uma ideia mais precisa sobre os riscos associados aos processos “transição, eleição e adiamento”.
Ora, em boa verdade, o processo de recenseamento eleitoral e, consequentemente, eleições gerais que se avizinham, são variáveis dependentes do risco, podendo, caso ocorram com normalidade e sentido de responsabilidade, consolidarem o acesso à democracia e à construção da Nação. Contudo, estas duas dimensões (recenseamento eleitoral e eleições gerais) devem ser analisadas e avaliadas tendo em conta vertentes das avaliações “ex-ante” e “ex-post”, bem como a importância e a componente social subjacente. Daí ser importante observar as seguintes realidades: tempo de realização, objetivos, promotores/realizadores, escala que assumem, público-alvo que é dirigido e, finalmente, capacidade de realização/concretização.
Como o próprio termo indica, a “avaliação ex-ante” é feita antes do processo ser implementado e executado, tendo em conta a alocação eficiente dos recursos financeiros, materiais, humanos, gestão da informação, etc. No caso em particular da Guiné-Bissau, em momento algum, durante a fase que antecede o processo de recenseamento eleitoral, preocupou-se em garantir a efetividade desses recursos, exceto financeiro, entendendo apenas que as promessas da sua elegibilidade seriam possíveis mediante o acordo assinado com os parceiros internacionais e regionais. Portanto, um erro palmatória.
Já a “avaliação “ex-post” é feita durante a implementação e a gestão dos projetos e/ou processos. A implementação diz respeito à alocação dos recursos para a instalação física e funcional da operação que se pretende executar. Ou seja, os programas e projetos, especialmente aqueles de carater social, político e governamental, que é o caso, são obrigatoriamente elaborados a partir de macro objetivos, de objetivos específicos e de metas a serem alcançadas, não axiologicamente definidas, mas sim, a partir de avaliações subjetivas de valor, pelos tomadores de decisão, neste caso governantes.
Porém, no que diz respeito à “avaliação ex-ante” de bem-estar social, os tomadores de decisões tendem a suprimi-la, sob o argumento que o que importa é o social em si, e não raras vezes utilizam a tautologia que se trata de uma decisão política. No caso da Guiné-Bissau deparamos com a falta de dedicação e empenho político tendo em conta o cumprimento rigoroso da vontade soberana do povo, algo social que garantirá o seu bem-estar. Daí que, “numa altura em que se pede serenidade e confiança das instituições Estado e administração pública, o País é confrontado, mais uma vez, com a subtileza das lideranças políticas em persistir na manutenção do “status quo” que tem caracterizado as práticas inqualificáveis de uma ilusória governação credível, eficaz e coerente.”
Neste momento, era suposto que o poder transitório fosse exercido de forma responsável, pelo menos na administração dos recursos colocados à disposição, com objetivos de planeamento, formulação e programação das políticas que fossem essenciais à execução do programa de transição, nomeadamente na gestão corrente e na preparação do processo eleitoral com a finalidade de criação de condições para a realização das eleições CREDÍVEIS, LIVRES E JUSTAS.
De facto, já se contam dois adiamentos e um terceiro na forja, provavelmente pelos sussurros e estratégias políticas que se fazem sentir nestes últimos tempos. Hoje, tristemente, o lema da conversa é adiar, transitar e perpetuar, pois, lamentavelmente, o processo de recenseamento eleitoral está a ser desvirtuado da sua essência e do carater que deveria ter.
Há que colocar o freio e tomar como garantia a credibilidade do processo, ter a consciência que o mesmo está a fazer o melhor caminho, porque, na verdade, corremos sérios riscos de um novo adiamento e, acima de tudo, do adiamento da Nação e das reformas que deveriam ser iniciadas logo após o processo eleitoral. Se assim acontecer, existirá de facto um risco automático de consolidação do processo da negação do País como Estado de direito democrático.
Numa democracia, as eleições são de importância vital, pois para além de representarem um ato de cidadania, possibilitam a escolha de representantes e governantes que fazem e executam leis que interferem diretamente na vida das suas populações. É importante, sobretudo, que o povo se consciencialize que a capacitação institucional e democrática de uma Nação só poderá ser alcançada com as eleições livres e justas, com os novos atores políticos e com o vigor da juventude consciente, organizada e bem preparada, caso contrário, agravará todo processo estrutural do País.
Acontece que, numa sociedade marcada pela relação de mando e obediência, exclusão e privilégio, mais do que nunca se torna indispensável a luta pela participação cívica e política, em todos os níveis e esferas, como condição “sine qua non” para a construção da cidadania no país, pelo que seria bom que a classe política entendesse que o exercício pleno da cidadania está em causa quando o sentido da democracia é desvirtuado tendo em conta a lógica da descrença dos seus representantes, os tais que são eleitos pelo povo. É importante, ainda, que se perceba que a liberdade ideológica deve ser o garante da emancipação da Nação, que vê nos seus legítimos representantes autênticos possuidores de conduta e ética política.
Não tenho dúvidas de que o processo eleitoral está inquinado e com riscos de credibilidade para se avançar com o ato tão importante que constitui as eleições gerais. Mas entendo, que a sociedade civil deve fazer ouvir, em uníssono, sobre a necessidade de um controlo mais apertado das listas e dos cadernos eleitorais, bem como na qualidade da execução do processo de recenseamento e consequentemente eleições gerais, de acordo com o calendário previamente definido.
Também não duvido que o País está a atravessar uma fase que importa ter muita cautela e apostar numa ação preventiva, concertada e eficaz. Tenho presente, sem dúvida, que o exercício da ação política por parte dos políticos, cidadania ativa por parte da sociedade civil, convergindo do ponto de vista da estratégia para o País, terá sempre interferência da cúpula militar e de players que atuam na retaguarda desses. Por isso mesmo entendo que é preciso agir com cuidado e ter sempre presente que a política é feita de pequenos detalhes e de posicionamentos francos, firmes e construtivos.
É importante que o povo guineense perceba isso e acreditar que este é sem dúvida um dos caminhos para resolver de vez os problemas com que o País se confronta, sem complexos nem temores. Assim é que, entender o risco pressupõe a abordagem de uma realidade que nos pode condicionar tendo em conta a possibilidade de uma determinada ocorrência cujas consequências constituem oportunidades para obter vantagens ou então ameaças ao sucesso.
É hora de entendermos que somos apenas os capitães do nosso próprio sucesso e engenheiros responsáveis pela construção da nova estrutura nacional dos nossos sonhos. A Nação não se pode ADIAR! LV

Luís Vicente

Lisboa, 20 de Janeiro de 2014


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