O RISCO DE ADIAMENTO DA NAÇÃO
Se
não houvesse o fatídico dia 20 de Janeiro de 1973 talvez
estaríamos, neste preciso momento, a discutir os progressos
alcançados, a coesão nacional reforçada e, ainda, a dissertar
sobre os modelos de desenvolvimento económico e social para os
próximos vinte ou quarenta anos. Ou, quem sabe, estariam ser
inauguradas mais infraestruturas educativas, sociais, culturais e
investimentos económicos, industriais etc. Talvez até, neste
preciso momento, não me debruçaria para uma reflexão sobre atual
situação política do País e produção deste artigo evocando
questões preocupantes que me atravessam a alma.
Creio
que, com a morte do saudoso Amílcar Cabral, o projeto de construção
da Nação alicerçado em valores democráticos, progresso e
desenvolvimento, foi substituído pela transição oportuna onde o
adiamento consubstancia a palavra de ordem. Mas, não escrevo este
artigo para recordar o homem, político, revolucionário e visionário
que foi Amílcar Cabral, pois o mesmo encontra-se espiritualmente
presente nas nossas causas e no nosso modo de pensar a ideologia
política guineense.
Contudo,
antes de entrar na essência do artigo propriamente dito, recorro a
uma citação bíblica, se me permitem, para homenagear Amílcar
Cabral e demonstrar, neste preciso momento, o meu estado de alma:
“Todavia
o meu povo trocou a sua glória por aquilo que é de nenhum proveito.
Espantai-vos disto, ó céus, e horrorizai-vos! Ficai verdadeiramente
desolados, diz o Senhor. Porque o meu povo fez duas maldades: a mim
me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas,
cisternas rotas, que não retêm águas.” (Jeremias 2:11-13)
Na
verdade, como o próprio título do artigo sugere, é hábito referir
que a essência do risco não é tanto aquilo que está a acontecer,
mas sim aquilo que pode acontecer. De facto, sabendo que o risco é
de certo modo omnipresente, torna-se utópico pensar que podemos
eliminar todas as variáveis que condicionam o processo gerador da
sua observância. A título de exemplo, tomemos como ponto de partida
o projeto de construção da Nação Guineense para se ter uma ideia
mais precisa sobre os riscos associados aos processos “transição,
eleição e adiamento”.
Ora,
em boa verdade, o processo de recenseamento eleitoral e,
consequentemente, eleições gerais que se avizinham, são variáveis
dependentes do risco, podendo, caso ocorram com normalidade e sentido
de responsabilidade, consolidarem o acesso à democracia e à
construção da Nação. Contudo, estas duas dimensões
(recenseamento eleitoral e eleições gerais) devem ser analisadas e
avaliadas tendo em conta vertentes das avaliações “ex-ante”
e “ex-post”, bem como a importância e a componente social
subjacente. Daí ser importante observar as seguintes realidades:
tempo de realização, objetivos, promotores/realizadores, escala
que assumem, público-alvo que é dirigido e, finalmente, capacidade
de realização/concretização.
Como
o próprio termo indica, a “avaliação ex-ante” é feita
antes do processo ser implementado e executado, tendo em conta a
alocação eficiente dos recursos financeiros, materiais, humanos,
gestão da informação, etc. No caso em particular da Guiné-Bissau,
em momento algum, durante a fase que antecede o processo de
recenseamento eleitoral, preocupou-se em garantir a efetividade
desses recursos, exceto financeiro, entendendo apenas que as
promessas da sua elegibilidade seriam possíveis mediante o acordo
assinado com os parceiros internacionais e regionais. Portanto, um
erro palmatória.
Já
a “avaliação “ex-post” é feita durante a
implementação e a gestão dos projetos e/ou processos. A
implementação diz respeito à alocação dos recursos para a
instalação física e funcional da operação que se pretende
executar. Ou seja, os programas e projetos, especialmente aqueles de
carater social, político e governamental, que é o caso, são
obrigatoriamente elaborados a partir de macro objetivos, de objetivos
específicos e de metas a serem alcançadas, não axiologicamente
definidas, mas sim, a partir de avaliações subjetivas de valor,
pelos tomadores de decisão, neste caso governantes.
Porém,
no que diz respeito à “avaliação ex-ante” de bem-estar
social, os tomadores de decisões tendem a suprimi-la, sob o
argumento que o que importa é o social em si, e não raras vezes
utilizam a tautologia que se trata de uma decisão política. No caso
da Guiné-Bissau deparamos com a falta de dedicação e empenho
político tendo em conta o cumprimento rigoroso da vontade soberana
do povo, algo social que garantirá o seu bem-estar. Daí que, “numa
altura em que se pede serenidade e confiança das instituições
Estado e administração pública, o País é confrontado, mais uma
vez, com a subtileza das lideranças políticas em persistir na
manutenção do “status quo” que tem caracterizado as práticas
inqualificáveis de uma ilusória governação credível, eficaz e
coerente.”
Neste
momento, era suposto que o poder transitório fosse exercido de forma
responsável, pelo menos na administração dos recursos colocados à
disposição, com objetivos de planeamento, formulação e
programação das políticas que fossem essenciais à execução do
programa de transição, nomeadamente na gestão corrente e na
preparação do processo eleitoral com a finalidade de criação
de condições para a realização das eleições CREDÍVEIS,
LIVRES E JUSTAS.
De
facto, já se contam dois adiamentos e um terceiro na forja,
provavelmente pelos sussurros e estratégias políticas que se fazem
sentir nestes últimos tempos. Hoje, tristemente,
o lema da conversa é
adiar, transitar e perpetuar,
pois, lamentavelmente, o processo de recenseamento eleitoral está a
ser desvirtuado da sua essência e do carater que deveria ter.
Há
que colocar o freio e tomar como garantia a credibilidade do
processo, ter a consciência que o mesmo está a fazer o melhor
caminho, porque, na verdade, corremos sérios riscos de um
novo adiamento e, acima de tudo, do adiamento da Nação e das
reformas que deveriam ser iniciadas logo após o processo eleitoral.
Se assim acontecer, existirá de facto um risco automático de
consolidação do processo da negação do País como Estado de
direito democrático.
Numa
democracia, as eleições são de importância vital, pois para além
de representarem um ato de cidadania,
possibilitam a escolha de representantes e governantes que fazem e
executam leis que interferem diretamente na vida das suas populações.
É importante, sobretudo, que o povo se consciencialize que a
capacitação institucional e democrática de uma Nação só poderá
ser alcançada com as eleições livres e justas, com os novos atores
políticos e com o vigor da juventude consciente, organizada e bem
preparada, caso contrário, agravará todo processo estrutural do
País.
Acontece
que, numa sociedade marcada pela relação de mando e obediência,
exclusão e privilégio, mais do que nunca se torna indispensável a
luta pela participação cívica e política, em todos os níveis e
esferas, como condição “sine qua non” para a construção
da cidadania no país, pelo que seria bom que a classe política
entendesse que o exercício pleno da cidadania está em causa quando
o sentido da democracia é desvirtuado tendo em conta a lógica da
descrença dos seus representantes, os tais que são eleitos pelo
povo. É importante, ainda, que se perceba que a liberdade ideológica
deve ser o garante da emancipação da Nação, que vê nos seus
legítimos representantes autênticos possuidores de conduta e ética
política.
Não
tenho dúvidas de que o processo eleitoral está inquinado e com
riscos de credibilidade para se avançar com o ato tão importante
que constitui as eleições gerais. Mas entendo, que a sociedade
civil deve fazer ouvir, em uníssono, sobre a necessidade de um
controlo mais apertado das listas e dos cadernos eleitorais, bem como
na qualidade da execução do processo de recenseamento e
consequentemente eleições gerais, de acordo com o calendário
previamente definido.
Também
não duvido que o País está a atravessar uma fase que importa ter
muita cautela e apostar numa ação preventiva, concertada e eficaz.
Tenho presente, sem dúvida, que o exercício da ação política por
parte dos políticos, cidadania ativa por parte da sociedade civil,
convergindo do ponto de vista da estratégia para o País, terá
sempre interferência da cúpula militar e de players que
atuam na retaguarda desses. Por isso mesmo entendo que é preciso
agir com cuidado e ter sempre
presente que a política é feita de pequenos detalhes e de
posicionamentos francos, firmes e construtivos.
É
importante que o povo guineense perceba isso e acreditar que este é
sem dúvida um dos caminhos para resolver de vez os problemas com que
o País se confronta, sem complexos nem temores. Assim
é que, entender o risco pressupõe a abordagem de uma realidade que
nos pode condicionar tendo em conta a possibilidade de uma
determinada ocorrência cujas consequências constituem oportunidades
para obter vantagens ou então ameaças ao sucesso.
É
hora de entendermos que somos apenas os capitães do nosso próprio
sucesso e engenheiros responsáveis pela construção da nova
estrutura nacional dos nossos sonhos. A Nação não se pode ADIAR!
LV
Luís Vicente
Lisboa,
20 de Janeiro de 2014
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