Bissau e São Paulo, 16 de janeiro de 2014
Excelentíssimo Senhor Embaixador
António de Aguiar Patriota
Chefe da Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas, Nova Iorque
Presidente da Configuração para Guiné-Bissau da Comissão das Nações Unidas para Consolidação da Paz
Ofício Conectas_PE_01_Jan14
Ref.: Recomendações à Comitiva da ONU para
Guiné-Bissau e pedido de audiência Excelentíssimo Senhor Embaixador Patriota, à luz da visita da Comitiva da ONU para a
Guiné-Bissau, chefiada pelo Senhor e agendada para a quarta semana deste mês, a Liga Guineense
dos Direitos Humanos (Guiné Bissau), a Casa dos Direitos (Guiné-Bissau) e Conectas
Direitos Humanos (Brasil) gostariam de apresentar recomendações à visita da Comitiva,
incluindo aquelas que acreditamos ser importantes que a Peacebuilding Commission e o
Peacebuilding Fund façam ao governo de Guiné-Bissau. Ademais, gostaríamos de
respeitosamente solicitar uma audiência com o Senhor Embaixador durante a sua visita em Bissau,
especificamente para discutir a situação de direitos humanos.
Em razão da má governança e da instabilidade
política provocada pelo golpe de estado de 12 de abril de 2012, a crise social tem se
agravado com o aumento do custo de vida, a elevada taxa de desemprego e crise na economia1,
associada à incapacidade do Governo de Transição em pagar os salários e outras despesas
correntes do Estado há três meses. Neste contexto, o país tem vivido ondas de greve na
administração pública, em particular nos sectores de saúde, educação, transporte e energia.
Liga Guineense de Direitos Humanos. Relatório
sobre a situação dos direitos humanos na Guiné-
Bissau 2010/2012. Disponível em
http://www.gbissau.com/wp-content/uploads/2013/02/Relatorio-sobre-a-situa%C3%A7ao-dos-direitos-humanos-2012-VF.pdf.
Após o último golpe de estado, a situação dos
direitos humanos tem se agravado com assassinatos, espancamentos, agressões físicas,
detenções ilegais de jornalistas, músicos e ativistas dos direitos humanos, restrições ilegais
da liberdade de manifestação, de imprensa e da expressão com o objetivo de silenciar os
opositores do regime. É importante destacar que, nos últimos meses, o quadro tem se deteriorado
ainda mais.
O recenseamento é feito com "kits"
(conjuntos) de material informático que imprimem na hora o cartão de eleitor.
A impunidade continua sendo um dos principais
desafios do país e fator de instabilidade política. Um exemplo preocupante é que está
pendente mais uma vez no Parlamento guineense uma proposta de lei de anistia a favor dos
responsáveis pelo golpe militar de 12 de abril de 2012. Em suas declarações, o PGR
tem atribuído a falta de sucesso nas investigações nacionais às questões de
insegurança dos investigadores e de intimidação por parte das forças armadas. Por conta desses
entraves no âmbito nacional, organizações da sociedade civil, durante Conferência
Internacional das Organizações da Sociedade Civil sobre a Impunidade organizada pela Liga
Guineense dos Direitos Humanos, em colaboração com a Associação para a Cooperação
entre os Povos, ONG portuguesa, ocorrida de 11 a 12 de dezembro 2013 em Bissau,
demandaram a criação de uma Comissão de Inquérito Internacional sobre os assassinatos
políticos ocorridos nos últimos anos.
Cabe destacar que, no início do mês passado, o
Procurador Geral da República de Guiné-Bissau (PGR) foi ouvido no Parlamento sobre os casos
de assassinatos políticos ocorridos em 2009, inclusive do Presidente João Bernardo
Vieira e, recentemente, do Ministro de Transporte e Telecomunicação, que foi agredido
por um grupo de indivíduos não identificados, em sua residência no dia 5 de
novembro do ano passado.
Como é de vosso conhecimento, as eleições,
inicialmente previstas para novembro do ano passado, foram postergadas. Apesar das novas
eleições estarem marcadas para 16 de março 2014, há incertezas sobre sua realização.
Uma questão preocupante é a forma como o
recenseamento eleitoral está sendo feito.
O Governo guineense de transição iniciou o
processo no dia 1 de dezembro de 2013, com o apoio técnico e financeiro de vários
parceiros, particularmente dos Governos de Timor-Leste e da Nigéria. Este recenseamento, que
devia durar 21 dias, foi primeiramente prorrogado até 30 de dezembro, e, depois, para 31
de janeiro 2014. As razões para extensão do prazo se deu por conta das dificuldades de ordem
logística e técnica. Ficou patente a falta de preparo dos técnicos encarregados do
processo, por ser esta a primeira experiência nacional com o sistema semi-biométrico de
recenseamento em curso.
Além disso, os kits de recenseamento disponíveis
são insuficientes. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), que nos últimos anos prestou assistência à Comissão Nacional de
Eleições, o número mínimo de kits para cobrir todo o processo no prazo inicialmente
previsto era de 1.000 (mil kits). No entanto, o Governo inicialmente mobilizou apenas 113 kits.
Com as dificuldades encontradas, o número de kits está sendo aumentado paulatinamente
com o apoio da Nigéria, cifrando agora numa media de 341. Porém, continua ainda
muito abaixo do desejável. Esta situação é preocupante, pois dos 800 mil eleitores
habilitados, nem a metade encontra-se recenseado até o momento.
Se o número de kits não for
aumentado suficientemente, dois meses, no mínimo, serão necessários para o registro
completo dos eleitores; fato que comprometerá substancialmente o calendário eleitoral e,
consequentemente, agravará a situação político- social do país.
Recomendações:
O Senhor Embaixador tem deixado claro que a visita
da Comitiva visa a “dar início ao planejamento do compromisso com a Guiné-Bissau na
fase pós-eleitoral.” Saudamos essa iniciativa e achamos de extrema importância
este compromisso, no entanto, também consideramos de extrema e fundamental importância o
engajamento imediato do Brasil e da Comissão de Construção da Paz para assegurar
que as eleições sejam realizadas na data prevista.
Recomendações à Comitiva:
Reunir-se especialmente com organizações de
direitos humanos, inclusive a Liga Guineense de Direitos Humanos e a Casa dos Direitos, para
discutir o agravamento da situação de direitos humanos e de como a comunidade
internacional pode apoiar a proteção e promoção dos direitos humanos.
Enfatizar para as autoridades nacionais a
necessidade do respeito pelas liberdades fundamentais nomeadamente de manifestação, de
imprensa e expressão enquanto pressupostos indispensáveis para a realização das
eleições, justas, livres e críveis.
Chamar atenção da comunidade internacional sobre
os riscos associados ao sintomático adiamento das eleições para a estabilidade da
Guiné-Bissau.
Recomendações à Configuração para Guiné-Bissau
da Comissão de Construção da Paz:
Prestar assistência para a obtenção de número
suficiente de kits para o recenseamento eleitoral.
Com relação ao Peacebuilding Fund (PBF):
o Reforma do setor de segurança: Cremos que uma das
prioridades deve ser as reformas nos setores de defesa e segurança, particularmente
a modernização de estruturas, a desmobilização efetiva dos antigos combatentes, e
o recrutamento e a instrução de novos membros, de acordo com os padrões de um exército
republicano.
O Apoio à sociedade civil guineense: A sociedade
civil guineense tem trabalhado sem apoio institucional. Por isso, igualmente constitui
prioridade o apoio à sociedade civil no combate à impunidade, na defesa e promoção de
direitos humanos, por meio de iniciativas de sensibilização, capacitação, produção de
estudos, e no monitoramento dos casos dos direitos humanos a nível nacional.
O Reformas políticas, jurídicas e sociais:
Consideramos que o PBF deve servir para incentivar mudanças positivas na sociedade,
nomeadamente do atual cenário político através da revisão do quadro legal para promover
uma vida política sadia e de acordo com os valores da paz, democracia, estado de direito e
reconciliação nacional. Entre as reformas desejadas estão:
1) Revisar a lei-quadro dos partidos políticos para
fixar o nível acadêmico mínimo para os candidatos, evitando assim, ter deputados
analfabetos no parlamento;
2) Atribuir competência de recenseamento à
Comissão Nacional de Eleições para assegurar eficiência e transparência do processo desde o
início;
3) Promover um ambiente econômico e social capaz de
incentivar emprego aos jovens e organizar pequenas iniciativas junto à comunidade
local para reduzir tensões sociais.
4) Capacitar e apoiar mídias para contribuir de
forma significativa no processo de reconciliação nacional, tendo em conta o nível
social das comunidades locais e o impacto em especial das rádios comunitárias na sociedade
guineense.
No que diz respeito ao papel do Brasil, como disse o
representante especial do Secretário- Geral da ONU para
Guiné-Bissau, José Ramos-Horta, “o Brasil tem enorme
credibilidade
[...] Há muita sensibilidade no Brasil para
cooperação com África.” . Embora o governo brasileiro tenha afirmado sua total disposição em
continuar apoiando o país8, acreditamos que mais possa ser feito. Assim, gostaríamos de
solicitar um maior engajamento do governo brasileiro, particularmente para apoiar o
processo eleitoral, à semelhança das eleições passadas em que Brasil concedeu apoios
significativos à Comissão Nacional de Eleições. Adicionalmente, pedimos a ajuda do
Governo brasileiro para a mobilização de apoio da comunidade internacional sobre o processo
eleitoral, nomeadamente no que concerne à logística e assistência técnica.
Finalmente, achamos fundamental que o Brasil retome a cooperação depois das eleições nas
áreas da defesa e segurança, uma vez que as reformas destes setores são crucias para a
consolidação da paz e reconciliação nacional.
Certos da atenção e diligência que serão
empregadas para o atendimento da presente carta, reiteramos nossos mais altos protestos de estima e
consideração.
Atenciosamente,
Luís VAZ MARTINS
Presidente
Liga Guineense dos Direitos Humanos
Cadija MANE
Coordenadora
A Casa dos Direitos
Camila ASANO
Coord. Política Externa
Conectas Direitos Humanos
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