Desde há dois anos que a Guiné-Bissau vive de facto sob ditadura militar, com um presidente da república «de transição», guardado por tropas da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), e um governo de fachada, inoperante. Neste cenário, não é de estranhar que as eleições tenham sido impostas pelas Nações Unidas e sejam acompanhadas também por outras organizações internacionais. Sejam quais forem os resultados saídos das urnas, os novos governantes não terão tarefa fácil.
Um dos mais pobres e conflituosos países da África, a Guiné-Bissau,
vai às urnas no domingo, 13 de Abril, mas as eleições por si só não resolverão
a profunda crise em que o país mergulhou.
Num processo financiado, organizado e vigiado de perto pela «comunidade internacional», os guineenses vão escolher o presidente da república e o parlamento (e, indirectamente, o governo) e tentar ultrapassar mais uma etapa complexa do percurso do jovem estado.
O escrutínio tem lugar dois anos após o golpe militar de Abril de
2012, liderado pelo general António Indjai, que impediu que fosse eleito para a
presidência o então primeiro-ministro e líder do Partido Africano da
Independência da Guiné e de Cabo Verde (PAIGC), Carlos Gomes Júnior, preso na
altura e mais tarde exilado em Portugal e Cabo Verde. Nessa segunda volta das
eleições, que nunca se realizaram, o seu adversário era Kumba Ialá, dirigente
do Partido da Renovação Social (PRS), tido como o instigador civil do golpe e
aliado de Indjai.
Kumba, de 61 anos, morreu há uma semana, em Bissau, de doença
cardíaca, agravando o clima de insegurança e a tensão pré-eleitoral. Desta vez
não era candidato mas apoiava Nuno Nabian, um dos concorrentes à chefia do
estado.
Presidente da república de 2000 a 2003, Kumba foi derrubado por
outro golpe militar mas, entre o exílio em Marrocos e diversas candidaturas
presidenciais, continuava a ter influência no país. Filósofo, populista,
inconfundível com o barrete vermelho, era acusado pelos adversários de ter
criado um partido de base tribal, de ter forçado a «balantização» das forças
armadas, de ser um permanente desestabilizador da Guiné-Bissau.
Os balantas representam um terço da população, num país pequeno,
com um milhão e meio de habitantes repartidos por mais de duas dezenas de
etnias. Ninguém sabe ao certo de que forma a morte de Kumba Ialá irá
influenciar os resultados eleitorais, sucedendo-se os apelos para que não haja
perturbações nem antes nem depois da votação.
Observadores da ONU, UA e UE
Desde há dois anos que a Guiné-Bissau vive de facto sob ditadura
militar, com um presidente da república «de transição», guardado por tropas da
Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), e um governo de
fachada, inoperante.
Neste cenário, não é de estranhar que as eleições tenham sido
impostas pelas Nações Unidas, cujo secretário-geral, Ban Ki-moon, despachou
para Bissau, como seu representante, o antigo presidente da República de
Timor-Leste e Nobel da Paz, José Ramos-Horta, com a missão de «normalizar» o
país.
Após o recenseamento e a montagem da máquina eleitoral, vão acompanhar o escrutínio, encontrando-se já no terreno, observadores da ONU, da União Africana (chefiados pelo ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano) e da União Europeia, entidades que, com Timor-Leste, a Nigéria e a Cedeao, financiaram todo o processo.
Às eleições gerais concorrem 15 partidos políticos ao parlamento e
13 candidatos à presidência da república.
Para as legislativas, surge como favorito o PAIGC liderado por Domingos Pereira, que em caso de vitória será o primeiro-ministro. O partido está implantado em todo o território, é herdeiro dos feitos da guerra pela independência, proclamada há 41 anos, e conta ainda nas suas fileiras com combatentes da liberdade, velhos companheiros de Amílcar Cabral.
A segunda maior força política, que aparece dividida, sem o apoio
do seu fundador, é o PRS.
Quanto aos candidatos presidenciais, entre os que gozam de maior notoriedade figuram José Mário Vaz, do PAIGC, economista, antigo ministro das Finanças; Nuno Nabiam, engenheiro aeronáutico, delfim do desaparecido Kumba e protegido de Indjai; e Abel Incada, empresário de construção civil, lançado pelo PRS. Todos eles preconizam a estabilidade política, a consolidação da democracia, o relançamento da economia.
Quanto aos candidatos presidenciais, entre os que gozam de maior notoriedade figuram José Mário Vaz, do PAIGC, economista, antigo ministro das Finanças; Nuno Nabiam, engenheiro aeronáutico, delfim do desaparecido Kumba e protegido de Indjai; e Abel Incada, empresário de construção civil, lançado pelo PRS. Todos eles preconizam a estabilidade política, a consolidação da democracia, o relançamento da economia.
Para os analistas que acompanham a situação na Guiné-Bissau, as eleições,
importantes para o regresso à ordem constitucional, de pouco servirão se não
for rapidamente resolvido o papel dos militares. Sejam quais forem os
resultados saídos das urnas, os novos governantes não terão tarefa fácil.
A prioridade será reformar as forças armadas, sobredimensionadas,
neutralizar os generais golpistas e aliados e combater a corrupção e o
banditismo, em especial o tráfico de drogas e de armas.
Será esse um primeiro passo para defender a independência, reforçar
a unidade nacional, retomar o desenvolvimento e garantir que a República da
Guiné-Bissau é um país viável, cujo povo aspira à paz e ao progresso, como
todos os povos do Mundo.
(Por: Carlos Lopes Pereira)
* Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2106, 10.04.2014
(foto c/ créditos) |
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