COM O TEMPO UMA IMPRENSA CÍNICA, MERCENÁRIA, DEMAGÓGICA E CORRUPTA, FORMARÁ UM PÚBLICO TÃO VIL COMO ELA MESMO

Joseph Pulitzer

sexta-feira, 4 de abril de 2014

ONU - Entrevista ao embaixador António Patriota

Entrevista ao embaixador António Patriota sobre a situação na Guiné-Bissau


Rádio ONU: A Comissão de Consolidação da Paz, PBC, na sigla em inglês, emitiu um comunicado que sugere que as eleições legislativas e presidenciais deste ano na Guiné-Bissau vão ser diferentes das eleições em 2012. E na última eleição, ocorreu um golpe de estado às vesperas do segundo turno. O que vai ser exatamente diferente desta vez?
Antonio Patriota: Bom, é importante sinalizar em primeiro lugar que a PBC, como você disse, Comissão de Consolidação da Paz, emitiu um comunicado sobre as eleições e nós acreditamos que há menos espaço de manobra para atores que pretendam interferir de modo ilegítimo no processo eleitoral. A presença da Cedeao, que é o grupo subregional da África Ocidental, com uma missão no terreno, que é a Ecomib, representam um consenso subregional muito importante em torno da restauração da ordem constituicional da Guiné-Bissau. O próprio cadastro eleitoral, que foi estabelecido agora com apoio de países como Timor-Leste, Nigéria, da própria Cedeao, é um outro fator que ampliou o eleitorado e diminuiu a margem para fraudes e alegações de fraudes como sinalizado pelo representante especial do secretário-geral, o Prêmio Nobel da Paz, José Ramos Horta. Há um sentimento forte também de que o golpe de 2012 trouxe apenas retrocesso para o país, sobretudo econômico, e o sentimento predominante é de que é preciso virar a página. Como eu comentava agora, uma liderança como a de Ramos Horta à frente dos esforços das Nações Unidas em Guiné-Bissau, creio que também está tendo impacto.

Sentimento na População
RO: Embaixador, qual é a colaboração da PBC, em termos reais, para que essa transição seja feita realmente com resultados positivos, além de tudo que o sr. já acabou de mencionar… Mas também qual é o sentimento na população que é quem vai votar, quem vai participar desse pleito e decidir o futuro do país?
AP:Eu estive em Guiné-Bissau no início do ano e fiquei muito impressionado assim com o entusiasmo com que a população se cadastrava para ter o seu registro eleitoral. O sentimento que eu colhi, também em contato com a sociedade civil, por exemplo com grupos de mulheres bissau-guineenses, é um de desejo de contribuir para o progresso institucional, social e econômico. Agora, a PBC, o que ela pode fornecer, é uma plataforma que mantenha um certo engajamento internacional de acompanhamento da situação, até no plano político, mas também que eventualmente pode se traduzir em apoio econômico, de mais de uma forma. Por exemplo, existe o PBF, que é o Fundo de Construção da Paz, que está associado ao trabalho da PBC. Ele pode desembolsar quantias relativamente modestas, mas que podem ter um impacto para certos projetos. Agora, também no pós-eleição, e sempre na expectativa de que esse processo transcorra de maneira transparente e legítima e produza um resultado aceito por todos, a PBC pode ajudar a estabelecer estratégias de consolidação da transição. Isso aí inclui, por exemplo, ajudar o representante especial Ramos Horta a promover reuniões de doadores. Há um projeto muito interessante, que é da Comissão de Planejamento Estratégico do futuro da Guiné-Bissau que já foi constituída com o apoio da PBC e do PBF, e eles estão estudando o potencial econômico do país, examinando quais as áres estratégicas que requerem investimento, por exemplo, em infraestrutura, em desenvolvimento rural, na diversificação da pauta exportadora. Guiné-Bissau tem um potencial grande em agricultura, porque tem terra, a maior parte do país é plano, a água, em abundância; há muito peixe nas águas de Guiné-Bissau, também uma outra fonte interessante de recursos à alimentação; até mesmo potencial turístico, o Arquipélago dos Bijagós, uma série de ilhas no litoral bissau-guineense que pode ser desenvolvido para atrair investimento e também divisas, e gerar emprego.
 
Exportação
RO: Mas nesse potencial realmente é explorado? Há tecnologia, há know-how para explorar esse potencial? Lembro-me, por exemplo, de uma entrevista que fiz com um ex-presidente da Guiné-Bissau que dizia que as castanhas estragavam no porto porque eles não sabiam como exportar (o produto)…
AP: Eu sou muito crítico da concentração da pauta exportadora de um país em poucos produtos ou, como no caso de Guiné-Bissau, praticamente em um único produto. Me parece que, justamente, uma das conclusões da Comissão de Planejamento Estratégico e que vem ao encontro do que eu também, enfim, recomendaria, é a importância da diversificação da produção em Guiné-Bissau. Isso aí tem até um benefício político, porque quando um país se concentra demais num único produto, numa única área, aquilo dá um poder desproporcional ao sector privado que domina aquele sector, aquele produto, ou aquela exploração. Então, é desejável que haja uma distribuição maior da economia do país entre diversos sectores, eu mencionei aqui pesca, por exemplo, madeira, mas Guiné-Bissau pode produzir arroz para a vizinhança, pode produzir uma série de outros produtos. No caso da castanha de caju, sem dúvida, existe a questão de como beneficiar o produto para que a própria exportação de Guiné-Bissau gere maior valor agregado, emprego, e maior eficiência económica, mas independente desse aspecto, eu recomendaria muito, e me parece que é uma questão vital para o país, a diversificação.
RO: Embaixador, antes de passar para a próxima pergunta, o senhor citou a questão do PBF, do fundo que pode desembolsar uma certa quantia para projetos. Eu gostaria de saber que projetos seriam esses, e quanto é ou até quanto esse fundo pode entregar para a Guiné-Bissau neste momento?
   

Importância da Mulher na Consolidação da Paz
AP: Bem, eu não tenho uma cifra específica porque, inclusive, isso não depende de uma decisão necessariamente da Comissão, obedece a outros procedimentos. Mas eu posso, por exemplo, afiançar que o próprio grupo de mulheres de Guiné-Bissau que se organizam no país, e que eu pude visitar durante a minha viagem ao país em janeiro, se beneficiou de uma quantia do PBF que ajuda elas a se organizarem. Muito importante sublinharmos o papel da mulher na construção da paz em países como Guiné-Bissau e na vizinhança toda, porque a tendência das mulheres é de se sobreporem a diferenças religiosas, étnicas, sociais ou políticas, de diferentes tipos, e se concentrarem na busca de reformas que beneficiem a sociedade como um todo. Então, por exemplo, as mulheres de Guiné-Bissau elas estão muito militando para poder ter acesso à posse da terra, para o estabelecimento de leis mais equânimes no que se refere à herança, e também a pagamento igual para tarefas iguais ou idênticas no plano profissional. São causas que não beneficiarão apenas as mulheres, que ajudarão a desenvolver a sociedade do país e que terão benefícios económicos também palpáveis.
RO: Agora o documento cita também preocupação com relatos de violações dos direitos humanos. O que é que tem sido feito para corrigir isso?
Brasil
AP:Bem, o período imediatamente pré-eleitoral está relativamente tranquilo, agora existe uma legítima preocupação com atos intimidatórios que são inaceitáveis dentro das regras democráticas. Caberá às autoridades de
Guiné-Bissau coibir e punir tais comportamentos. E, para tanto, contarão com assistência das Nações Unidas também, por meio do Escritório da ONU em Bissau, o Uniogbis, assim como da Cedeao e da Ecomib. Eu queria lembrar aqui que o Brasil, bilateralmente, cedeu às Nações Unidas um Centro de Treinamento que está localizado perto de Bissau, em João Landim, que está sendo utilizado para treinar policiais que se encarregarão da segurança durante as eleições. E, além disso, haverá um grande número de observadores eleitorais da União Europeia, da União Africana, da Cedeao e da Cplp também, que deverá estar presente, que, esperamos, contribuam para eleições pacíficas, transparentes e democráticas.

Golpe de 2012
RO:Segundo analistas, uma das causas do golpe de 2012 teria sido também a falta de pagamento de salários a funcionários públicos, e a economia guineense recuou nesse meio tempo. Essa questão macroeconômica tem o papel ainda forte neste futuro de paz que se almeja para a Guiné-Bissau? Como é que o país vai ser apoiado depois do pleito?
 AP: Bem, há um sentimento amplamente disseminado em Guiné-Bissau de que o golpe foi extremamente negativo para o país do ponto de vista econômico. E, inclusive, esse que você citou do pagamento dos salários. Bom, no curto prazo podem surgir aportes internacionais, de diferentes fontes. O próprio PBF, por exemplo, está ajudando na República Centro-Africana, que enfrenta carências semelhantes. Mas o Banco Mundial, enfim, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e outros poderão trazer sua contribuição. Agora, a trajetória de Guiné-Bissau antes do golpe era uma trajetória de crescimento econômico relativamente elevado, o país estava, enfim, registrando taxas equivalentes a 5% de crescimento econômico, e não há porque uma trajetória desse nível e patamar deixar de ser retomada. Esperamos que, uma vez eleito um governo legítimo e que consiga estabilizar o país do ponto de vista institucional, que possamos nos concentrar nas questões de cunho econômico e social, por exemplo, com a organização de conferência de doadores, com a mobilização de recursos, eu creio que a PBC também pode desempenhar um papel nesse sentido. Eu pessoalmente me comprometerei a procurar ajudar na medida do possível.

Potencial Grande
RO: E já que estamos falando de cooperação, qual é a cooperação do Brasil para esse processo directamente para a Guiné-Bissau? Já se tem, por exemplo, uma cifra de quanto o Brasil já investiu, pelo menos no ano passado ou até agora, na Guiné-Bissau como parceiro internacional?
AP: Bem, o Brasil, acho que ele tem um potencial grande de cooperar com Guiné-Bissau sobretudo na capacitação de profissionais, porque há uma carência de gestores, de, enfim, servidores do Estado. E também na reforma e modernização do sector de defesa e segurança. Na verdade, nesses últimos meses, e desde o golpe, a cooperação padeceu da ruptura institucional no país, mas mesmo assim estamos enviando alguns técnicos eleitorais agora, para ajudar a organizar as eleições, e como eu mencionei, o Centro de João Landim para o treinamento de policiais. Ele representou uma contribuição creio que muito significativa, porque estão sendo treinados inúmeros policiais do país que ajudarão a trazer esse ambiente de estabilidade e de calma, imprescindível para que as eleições sejam bem sucedidas.

(Fonte: ONU)


Sem comentários:

Enviar um comentário