Sob os holofotes ou nos bastidores, Kumba Ialá tornou-se, nas últimas décadas, nome incontornável da vida política da Guiné-Bissau, de que foi Presidente entre 2000 e 2003.
Mesmo depois de ter sido deposto
manteve-se como figura central da turbulenta situação político-militar e
pré-anunciou o último golpe de Estado. Morreu esta sexta-feira, em
Bissau, aos 61 anos, de paragem cardíaca. O médico pessoal disse que
pediu para ser sepultado depois das eleições gerais marcadas para dia 13
de Abril.
“O Presidente Kumba Ialá morreu. Morreu por volta da
meia-noite, de paragem cardio-respiratória súbita”, informou um
comunicado, citado pela Reuters, do Hospital Militar de Bissau, para
onde foi transportado. Alfredo Malu, responsável pela segurança pessoal,
afirmou à AFP que Kumba “sentiu-se mal na noite de quinta-feira” e
morreu às primeiras horas de sexta-feira.
O político do barrete
vermelho, sinal da sua importância entre os balantas, a maior etnia do
país, com cerca 30% dos mais de 1,6 milhões de guineenses, distinguiu-se
como defensor do multipartidarismo, no início dos anos 1990. Mas a
imagem que deixa é a de orador de verbo fácil, populista, calculista. O
seu nome fica associado a vários dos episódios de instabilidade vividos
nos últimos anos pela Guiné-Bissau, o último dos quais o golpe de Estado
que, em 2012, derrubou o Governo de Carlos Gomes Júnior, Cadogo.
Uma
das frases do livro de pensamentos políticos e filosóficos que lançou
em 2003 ajuda a compreender a imprevisibilidade, errância e capacidade
de jogar nos bastidores quando não estava ele próprio no palco. “Em
política, quando se adormece sossegado, acorda-se com tudo perdido”,
escreveu.
Há dois anos, depois de, na primeira volta das eleições presidenciais, ter obtido 23,36% dos votos – contra 48,97% de Cadogo
–, Kumba pré-anunciou o golpe de 12 de Abril, que deixou o país nas
mãos de governantes não eleitos. “Não há segunda volta, nem terceira
volta, porque não reconhecemos o resultado”, disse, dias antes da
sublevação militar conduzida pelo chefe das Forças Armadas, o também
balanta António Indjai. “Quem se aventurar a fazer campanha assumirá a
responsabilidade por tudo o que aconteça”, declarou também.
“Foi claramente instigador e preparador do golpe”, considera Xavier Figueiredo, director do boletim África Monitor,
que classifica como “completamente perturbador” o papel de Kumba nos
anos mais recentes da Guiné. “Politicamente comandou toda a situação
entre o fecho das urnas da primeira volta e o golpe”, afirma Eduardo
Costa Dias, investigador de assuntos africanos do ISCTE-IUL (Instituto
Universitário de Lisboa).
Filho de camponeses, nascido a 15 de
Março de 1953, perto de Bula, no Noroeste da Guiné, Kumba afirma-se
politicamente na fase de abertura ao multipartidarismo, no início dos
anos 1990. Antigo professor da escola de quadros do partido único, o
PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde), funda o
Partido da Renovação Social (PRS), que se tornará na principal
alternativa política. Dirigente em ascensão, vai ocupar um espaço de
representação política balanta vago desde o fuzilamento, em 1985, de
Paulo Correia, vice-presidente do Conselho de Estado.
O “trabalho
de sapa” junto de chefes tradicionais balantas, a influência que ganhou
sobre os militares da etnia e o apoio de alguns países da região,
designadamente Marrocos, explicam, no entender de Costa Dias – que o
descreve como “padrinho dos balantas” –, o peso adquirido na política
guineense por Kumba Ialá.
Disputa sucessivas eleições
presidenciais e chega a conseguir apoios que extravasam em muito a etnia
de origem e não se esgotam no partido que criou. Em 2000 chega à
Presidência. O seu mandato é marcado por agitação social e remodelações
governamentais e acaba interrompido por um golpe militar, em Setembro de
2003.
Perda de peso eleitoral
Kumba não perde, mesmo assim, influência junto de vastos sectores da sociedade guineense. Continua activo. Mas os últimos resultados eleitorais indiciavam uma progressiva perda de influência eleitoral – entre as presidenciais de 2009 e as 2012 perdeu 6% do eleitorado, mas continua a ser ouvido, e seguido, incluindo nos sectores das Forças Armadas que fizeram o último golpe.
Kumba não perde, mesmo assim, influência junto de vastos sectores da sociedade guineense. Continua activo. Mas os últimos resultados eleitorais indiciavam uma progressiva perda de influência eleitoral – entre as presidenciais de 2009 e as 2012 perdeu 6% do eleitorado, mas continua a ser ouvido, e seguido, incluindo nos sectores das Forças Armadas que fizeram o último golpe.
Em Dezembro passado, o político que
gostava de viver no meio do povo, e há poucos anos se converteu ao
islamismo, chegou a anunciar que concorreria de novo ao cargo de
Presidente. Mas em Janeiro comunica o abandono da política activa.
"Agora que me despeço não da política, mas de disputas e mandatos de
cargos eleitorais, realço que não é necessário, que não é preciso, ter
cargos para exercer a cidadania activa", disse.
A preocupação com a saúde pode explicar o afastamento. Mas Kumba terá
também sido sensível às pressões externas para não condicionar o
processo eleitoral e os esforços de normalização política de um país
fustigado pela instabilidade e pela violência polícia e associado
internacionalmente ao narcotráfico. Manifestou o seu apoio ao candidato
independente Nuno Nabiam, em cuja campanha ainda participou nos últimos
dias. A sua opção foi um claro sinal de divisão no PRS, que tem como
concorrente oficial Abel Incada, e de cuja área política saíram também
dois dos outros 13 candidatos.
Com a morte de Kumba, que estudou
Teologia e Filosofia em Lisboa, e Direito em Bissau, os balantas “ficam
órfãos”, considera o Xavier Figueiredo, jornalista especilizado em
política da África lusófona. “Mesmo não gostando todos dele, mesmo com
rivalidades, era para eles um líder. Os balantas, incluindo os
militares, tinham por ele respeito e veneração, era uma espécie de
guia.”
O executivo guineense de transição, instaurado após o golpe
de 2012, pediu ao Presidente interino, Serifo Nhamadjo, que decrete
três dias de luto nacional. O representante do secretário-geral das
Nações Unidas na Guiné-Bissau, Ramos-Horta, apelou “à calma e ao
respeito pelo processo eleitoral” e a que “ninguém politize a morte de
Kumba Ialá”. O Governo português lamentou a morte e fez “votos” de que
“em nada venha a afectar o normal desenrolar do processo eleitoral”.
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