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Joseph Pulitzer

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Coração de África a ferro e fogo

Duas «novas» guerras com a presença de tropas estrangeiras e cheiro a petróleo incendeiam o coração de África, provocando milhares de vítimas e incalculáveis prejuízos económicos.




 Na República Centro-Africana (RCA), onde a França interveio militarmente no início de Dezembro, multiplicam-se as acções violentas entre duas facções no terreno. De um lado estão os ex-rebeldes da Séléka («Aliança»), alegadamente muçulmanos, que em Março derrubaram o presidente eleito François Bozizé e colocaram o seu chefe, Michel Djotodia, no poder; e, do outro lado, milícias «anti-balaka» (anti-catanas), ditas cristãs, que exigem o afastamento dos golpistas e exercem represálias sobre a população islâmica.
No plano da segurança, de pouco tem valido a presença dos 1600 soldados franceses apoiados por blindados e helicópteros, no quadro da operação «Sangaris», ou dos 4000 homens da Misca, a força militar africana, uns e outros estacionados sobretudo em Bangui. 

Para além da versão de um conflito entre cristãos e muçulmanos, divulgada pelos media dominantes, há outras interpretações para o que se passa na RCA. Olivier Ndenkop desvenda, na revista «Afrique Asie», as razões ocultas da intervenção de Paris, cada vez mais o gendarme do imperialismo em África.
Rejeitando o «imperativo humanitário» invocado pelo «socialista» Hollande para justificar a agressão francesa, o artigo explica que a operação «Sangaris» pretendeu contrariar a crescente influência da China e garantir o controlo das reservas de ouro, diamantes e urânio no subsolo centro-africano. E, claro, do petróleo.

Ndenkop recorda que o ex-presidente Bozizé estabeleceu laços económicos com Pequim e entregou à empresa estatal CNPC (China National Petroleum Corporation) a exploração petrolífera de Boromata, no Nordeste do país, antes concessionada à companhia estado-unidense Grynberg RSM – o que provocou a cólera de Paris e Washington.
O próprio Bozizé, outrora aliado dos franceses, revelou à rádio RFI as razões do seu afastamento: «Fui derrubado por causa do petróleo». Pouco antes do golpe, já tinha declarado: «Dei o petróleo aos chineses e isso tornou-se um problema».
Em suma: os Estados Unidos e a França não toleraram que um seu «protegido» tenha ousado estabelecer relações de cooperação com a China. Por isso, armaram um grupo de «rebeldes», derrubaram o governo de Bangui e inventaram um conflito «religioso»…

Conflito fratricida no Sudão

Vizinho da RCA, o Sudão do Sul está desde 15 de Dezembro mergulhado numa guerra civil, que já causou milhares de mortos e de refugiados.
Travam-se combates entre tropas governamentais, leais ao presidente Salva Kiir, e forças ligadas ao antigo vice-presidente, Riek Machar, demitido em Julho e agora acusado de tentativa de golpe de estado. Os media têm sobrevalorizado a dimensão «tribal» do conflito, já que Kiir é da etnia dinka e Machar pertence ao grupo dos nuer.

As Nações Unidas e os países da região, liderados pelo Quénia e pela Etiópia, estão a tentar pôr termo à guerra, levando as partes beligerantes ao cessar-fogo e à mesa de conversações.
Há também tropas estrangeiras no país, independente desde 2011, quando se separou do Sudão, após um conflito armado de décadas. O Uganda já enviou 300 soldados para apoiar o presidente Kiir. A ONU reforçou a Minuss, elevando o contingente de «capacetes azuis» para mais de 12 500 militares. Também os Estados Unidos, principais padrinhos da independência do Sudão do Sul, enviaram para Juba, a capital, uma centena de fuzileiros para evacuar cidadãos norte-americanos.

E há, igualmente, o petróleo. O Sudão do Sul tem petróleo – a chinesa CNPC lidera a produção e pesquisa – e exporta-o pelo Mar Vermelho, através de oleodutos que passam pelo Sudão, o que transforma o «ouro negro» na principal fonte de receitas dos dois estados. 

As tragédias que os povos centro-africano e sul-sudanês vivem nestes dias são exemplos das consequências de intervenções militares estrangeiras em África visando a neocolonização do continente, a intensificação da exploração dos seus trabalhadores e do saque das suas riquezas. 

No quadro do agravamento da crise do capitalismo mundial, potências imperialistas como os Estados Unidos e a França, com o apoio de sectores corruptos das burguesias nacionais que elas alimentam, continuam hoje, também em África, a instigar divisionismos, acicatar conflitos étnicos ou religiosos, provocar golpes de estado, fomentar guerras civis – enfim, a recorrer ao seu vasto arsenal de armas e meios para dominar e pilhar os povos.


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