Duas «novas» guerras com a presença de tropas estrangeiras e cheiro a petróleo incendeiam o coração de África, provocando milhares de vítimas e incalculáveis prejuízos económicos.
Na República
Centro-Africana (RCA), onde a França interveio militarmente no início de
Dezembro, multiplicam-se as acções violentas entre duas facções no
terreno. De um lado estão os ex-rebeldes da Séléka («Aliança»),
alegadamente muçulmanos, que em Março derrubaram o presidente eleito
François Bozizé e colocaram o seu chefe, Michel Djotodia, no poder; e,
do outro lado, milícias «anti-balaka» (anti-catanas), ditas cristãs, que
exigem o afastamento dos golpistas e exercem represálias sobre a
população islâmica.
No plano da segurança,
de pouco tem valido a presença dos 1600 soldados franceses apoiados por
blindados e helicópteros, no quadro da operação «Sangaris», ou dos 4000
homens da Misca, a força militar africana, uns e outros estacionados
sobretudo em Bangui.
Para além da versão de um conflito entre cristãos e muçulmanos, divulgada pelos media
dominantes, há outras interpretações para o que se passa na RCA.
Olivier Ndenkop desvenda, na revista «Afrique Asie», as razões ocultas
da intervenção de Paris, cada vez mais o gendarme do imperialismo em África.
Rejeitando o «imperativo
humanitário» invocado pelo «socialista» Hollande para justificar a
agressão francesa, o artigo explica que a operação «Sangaris» pretendeu
contrariar a crescente influência da China e garantir o controlo das
reservas de ouro, diamantes e urânio no subsolo centro-africano. E,
claro, do petróleo.
Ndenkop recorda que o
ex-presidente Bozizé estabeleceu laços económicos com Pequim e entregou à
empresa estatal CNPC (China National Petroleum Corporation) a
exploração petrolífera de Boromata, no Nordeste do país, antes
concessionada à companhia estado-unidense Grynberg RSM – o que provocou a
cólera de Paris e Washington.
O próprio Bozizé,
outrora aliado dos franceses, revelou à rádio RFI as razões do seu
afastamento: «Fui derrubado por causa do petróleo». Pouco antes do
golpe, já tinha declarado: «Dei o petróleo aos chineses e isso tornou-se
um problema».
Em suma: os Estados
Unidos e a França não toleraram que um seu «protegido» tenha ousado
estabelecer relações de cooperação com a China. Por isso, armaram um
grupo de «rebeldes», derrubaram o governo de Bangui e inventaram um
conflito «religioso»…
Vizinho da RCA, o Sudão
do Sul está desde 15 de Dezembro mergulhado numa guerra civil, que já
causou milhares de mortos e de refugiados.
Travam-se combates entre
tropas governamentais, leais ao presidente Salva Kiir, e forças ligadas
ao antigo vice-presidente, Riek Machar, demitido em Julho e agora
acusado de tentativa de golpe de estado. Os media têm sobrevalorizado a dimensão «tribal» do conflito, já que Kiir é da etnia dinka e Machar pertence ao grupo dos nuer.
As Nações Unidas e os
países da região, liderados pelo Quénia e pela Etiópia, estão a tentar
pôr termo à guerra, levando as partes beligerantes ao cessar-fogo e à
mesa de conversações.
Há também tropas
estrangeiras no país, independente desde 2011, quando se separou do
Sudão, após um conflito armado de décadas. O Uganda já enviou 300
soldados para apoiar o presidente Kiir. A ONU reforçou a Minuss,
elevando o contingente de «capacetes azuis» para mais de 12 500
militares. Também os Estados Unidos, principais padrinhos da
independência do Sudão do Sul, enviaram para Juba, a capital, uma
centena de fuzileiros para evacuar cidadãos norte-americanos.
E há, igualmente, o
petróleo. O Sudão do Sul tem petróleo – a chinesa CNPC lidera a produção
e pesquisa – e exporta-o pelo Mar Vermelho, através de oleodutos que
passam pelo Sudão, o que transforma o «ouro negro» na principal fonte de
receitas dos dois estados.
As tragédias que os
povos centro-africano e sul-sudanês vivem nestes dias são exemplos das
consequências de intervenções militares estrangeiras em África visando a
neocolonização do continente, a intensificação da exploração dos seus
trabalhadores e do saque das suas riquezas.
No quadro do agravamento
da crise do capitalismo mundial, potências imperialistas como os
Estados Unidos e a França, com o apoio de sectores corruptos das
burguesias nacionais que elas alimentam, continuam hoje, também em
África, a instigar divisionismos, acicatar conflitos étnicos ou
religiosos, provocar golpes de estado, fomentar guerras civis – enfim, a
recorrer ao seu vasto arsenal de armas e meios para dominar e pilhar os
povos.
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