"Sol, suor, e o verde e mar". Lucinda Barbosa, ex-directora da Polícia Judiciária da Guiné-Bissau, evoca uma frase do hino nacional, escrito por Luís Cabral, fundador do PAIGC, para apontar o dedo aos militares que traíram todos os que lutaram pela libertação do país. "Eles", os que usam farda, "não pensam nisso", diz a magistrada.
As memórias de Lucinda Barbosa são uma denúncia pungente do estado calamitoso a que chegou a Guiné-Bissau.
Lucinda Barbosa tem tristeza e revolta na voz. Estes
sentimentos materializam-se em palavras e vêm acompanhados de uma
inquestionável vontade de ajudar o seu país a ser diferente. O país de
Lucinda Barbosa é a Guiné-Bissau, onde ela foi directora nacional da
Polícia Judiciária, entre 2007 e 2011. Prendeu narcotraficantes, foi
ameaçada de morte por generais e saiu da Guiné empurrada por mais um
golpe de Estado. Na altura, em 2012, já exercia as funções de directora
nacional de Viação Terrestre. Os militares rebentaram com a porta do seu
gabinete e "meteram lá a pessoa que entenderam por bem. Já era visada
por eles", conta a jurista, de 52 anos.
Tímida, Lucinda Barbosa deixa-se fotografar nos corredores da Fundação Pro Dignitate. Maria Barroso, que dirige a instituição, chega, cumprimenta-a e lança o desafio: "você devia era candidatar-se a presidente da Guiné". "Bondade da doutora", comenta ela, confrontada com a probabilidade do desejo de Maria Barroso se tornar realidade.
Agora, já sentada, dispõe-se à conversa. As perguntas são dispensáveis. Basta pontuar o texto de observações para entender a gravidade da situação na Guiné-Bissau, identificar os responsáveis pelo clima de intimidação que tomou conta do país e conhecer os tormentos por que passou Lucinda Barbosa.
Em 2007, a então ministra da Justiça, Carmelita Pires, convidou-a para dirigir a Polícia Judiciária, sendo, por inerência, presidente na Unidade Autónoma de Combate ao Narcotráfico.
Aceitei o desafio porque entendi que podia fazer alguma coisa pelo
meu país, naquela instituição em concreto. E foi assim que assumi
funções, em Julho de 2007, sabendo da situação que existia e das pessoas
envolvidas. Mas isso não me assustava porque entendia que tinha a razão
do meu lado. E, como crente, sou católica, achava que Deus me
protegeria. E protegeu. Passei tormentos e estou sã e salva porque tive a
protecção de Deus. Eu andava praticamente sem segurança. Não vale a
pena ter 20 ou 30 pessoas a proteger-nos porque, de um momento para o
outro, pode acabar-se com a vida de uma pessoa. Foi isso que aconteceu
ao presidente da República em 2009."
Em Agosto de 2007, a investigação de Lucinda Barbosa dá os
primeiros frutos. A Polícia Judiciária detém dois colombianos com uma
avultada quantia de dinheiro, armas e munições. Um dos capturados é
Pablo Camacho, capitão das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia), que já tinha cumprindo pena de prisão em Miami, nos EUA, por
tráfico de droga. Esta vitória na luta contra o narcotráfico foi
efémera.
"Infelizmente, 15 dias após a prisão preventiva, sei que houve muita
pressão da procuradoria-geral e puseram aqueles homens em liberdade. A
única coisa que consegui foi cativar o dinheiro, 94.500 euros e um
milhão e meio de CFA's [moeda guineense, o equivalente a 22 mil euros],
porque tinha entrado ilegalmente na Guiné-Bissau. Confiscámos o valor e,
na altura, abriu-se uma conta no tesouro público para utilizar no
combate ao narcotráfico. Foi assim que se compraram as primeiras
viaturas novas para a Polícia Judiciária. Foi uma decepção, mas não
fiquei logo desencorajada. Eu já conhecia o nosso sistema judiciário e
sabia que havia muita corrupção. Tinha que lutar para inverter aquela
situação. Sendo uma luta, não se deve parar logo. Continuámos a fazer o
nosso trabalho e pressenti que podia ajudar. Quando iniciámos o
trabalho, o tráfico inverteu-se. Deixou de ser visível. Escondeu-se. Foi
pela nossa determinação."
Lucinda Barbosa atarefou-se ao longo de quatro anos, período ao fim do qual decidiu pedir a demissão. A insegurança era cada vez maior e podia tornar-se trágica.
"Entendi que as ameaças eram demasiadas. Entendi que aquelas ameaças não eram só para mim e podiam descambar. As ameaças eram feitas em reuniões por generais como o Indjai [António Indjai, chefe do estado Maior das Forças Armadas], o Bubu [José Américo Bubu Na Tchuto, chefe da Marinha] e outros. Sei que o Indjai teve reuniões com o antigo presidente, já falecido, dizendo que eu estava a persegui-lo. Entendi que já não havia apoio. No início, as minhas filhas viviam lá comigo. Depois acabei por mandá-las para aqui [Portugal]. Porque, estando lá, com as minhas filhas ao lado, se não fosse apanhada, podiam ser elas a pagar. Quero voltar, mas de momento acho que é bom evitar. Há momentos em que uma pessoa, por mais que seja valente, não pode lutar contra alguém que não tem um raciocínio lógico das coisas. Decidi dar algum tempo para ver se a situação melhora. Ninguém é herói para estar aí a enfrentar coisas que são impossíveis. Sei que falaram que estou cá [em Lisboa] para dar informações. Eu não preciso de estar cá para dar informações porque o trabalho foi feito estando eu ainda na Guiné. Trabalhei abertamente com o FBI e com a DEA [organismo norte-americano de combate ao tráfico de droga], com autorização do Ministério."
Neste momento da conversa, Lucinda Barbosa é incapaz de
controlar as emoções. Faz um longo silêncio. Lágrimas afloram-lhe nos
olhos. Suspira. Bebe água e pede desculpa. Sem necessidade.
"Nós somos vítimas desta situação. Imaginem o que é uma pessoa
iniciar a sua juventude e depois… Ainda no liceu, em 80, tivemos um
golpe de Estado. Terminei os estudos, pensando que ia contribuir e ter
paz e estabilidade no meu país e não tive. Fiz todos os esforços até
chegar ao tempo de ter as filhas, e sofrer com essas filhas. Acabei a
magistratura. Voltei para a Guiné e o que é que houve? O 7 de Junho. As
crianças ficaram traumatizadas. É a convulsão consecutiva.
Sucessivamente. Uma pessoa vive toda a sua vida em convulsões sem razões
de ser. E, agora, por último, estava mesmo a sacrificar a minha vida e
vai tudo por água abaixo. Como é possível? Com 50 e tal anos e não se
construir nada. Por isso, muitos aproveitam para entrar na corrupção e
ter tudo de um dia para o outro. Quando falo de mim, falo da minha
geração e dos mais novos que não conheceram a paz. Que só conhecem a
violência."
"A
comunidade internacional não quer investir porque a Guiné é pobre. Se
fossemos um país com muito petróleo, já estariam lá capacetes azuis.
Nós somos civis. Não temos armas. Não temos nada. A maioria do povo da Guiné-Bissau é refém."
Nós somos civis. Não temos armas. Não temos nada. A maioria do povo da Guiné-Bissau é refém."
A ideia generalizada é a de que a Guiné-Bissau se transformou
num narco-estado. Sem rei nem roque. Lucinda Barbosa contesta esta
percepção.
"Seria um narco-estado se fosse o Estado da Guiné a fazer da droga um
modo de vida. O que não acontece. Eu e outras pessoas que fizeram e
fazem parte do Estado estamos isentas da questão da droga. Mas alguns
dos elementos das forças armadas, políticos e deputados, são suspeitos. É
pena que não tivéssemos tido meios suficientes para fazer um trabalho
que desmantelasse toda essa gente. A Guiné não é um narco-estado. A
maioria da população da Guiné, que vive na extrema pobreza, não conhece
droga."
Lucinda Barbosa acredita que Ramos-Horta, o representante especial da ONU na Guiné, está a fazer o melhor que pode para devolver a estabilidade ao seu país, mas lamenta o desinteresse generalizado pelo seu país.
"Acho que a comunidade internacional não quer investir porque a Guiné é pobre. Se fossemos um país com muito petróleo, já estariam lá capacetes azuis. Já teriam reposto a ordem. Nós somos civis. Não temos armas. Não temos nada. A maioria do povo da Guiné-Bissau é refém."
A situação da Guiné-Bissau só mudará, em definitivo,
quando houver uma reforma das forças armadas, que têm vindo a aprisionar
o país. Sem ela, Lucinda Barbosa não acredita que as eleições, ainda
sem data marcada, mudem alguma coisa.
"A reforma das forças armadas é a que gera mais instabilidade no
país, porque eles [os militares] têm armas e utilizam-nas. Acho que já
não temos forças armadas porque os que lá estão, infelizmente, estão a
estragar o nome dos nossos antigos combatentes. Se formos recensear os
antigos combatentes que ficaram nos quartéis, não chegam a 20%. Muitos
dos que agora são militares, em 1998 eram delinquentes. Os combates, em
1998, eram na zona onde havia uma prisão e eles evadiram-se e entraram
nas forças armadas. Para mim, nem vale a pena termos militares. Basta
preparar bem os polícias e refundar a Guiné-Bissau."
Em Abril deste ano, os norte-americanos prenderam, em águas internacionais, Bubu Na Tchuto, estando a julgá-lo nos EUA por tráfico de droga. A magistrada espera uma condenação.
"Dele e de outros. Já que a Guiné não faz nada, outros que façam. Ele traiu o povo, porque a farda da Guiné custou suor e sangue dos nossos irmãos. Eles não pensam nisso."
(p.s. Artigo publicado inicialmente a 25 de Outubro de 2013)
(in: negócios)
REFEM ES TU QUE ANDA A FALAR MAL DO TEU PROPRIO PAÍS
ResponderEliminaré pena so agora poder denunciar estes malfeitores,copreende-se num lado porque tinha a sua vida em perigo.Uma coisa sei ela sabe muito sobre aqueles senhores embora um ja esta la dentro falta agora o outro.
ResponderEliminarMARİO SAMBE deixa de ser burro sera o que ela disse nao coresponde a verdade pessoas como nao merecemser filhos da Guine
ResponderEliminarMARIO SAMBE, DEFENDES O TRIBO MESMO A MORRER DE FOME E PRIVADO DE UMA VIDA CIVILIZADA.
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