Com o desaparecimento físico de Mandela, assistimos todos e todos os dias aos mais difíceis actos de contorcionismo político e social.
Desde há muito que as palavras tolerância, apaziguamento e boa
vontade não eram ditas e proclamadas até à exaustão. Na verdade, e de
forma geral, quando, após muita luta, sacrifício, assassinatos,
torturas, prisões, etc., os povos se libertam é muito difícil levar à
prática aqueles valores sobre quem tanta malfeitoria causou.
Genericamente quando nos deparamos com a tolerância, o apaziguamento e a
boa vontade dos vencedores sobre os vencidos, mais cedo que tarde essa
pacificação tenderá a que os vencidos reocupem os seus lugares e em
muitos casos as velhas políticas, enquanto os vencedores, retrocedem nas
suas conquistas. Estes valores que deveriam ser nobres a toda a
humanidade, têm servido para as classes dominantes ganharem tempo e
espaço para a sua reorganização.
Foi assim em Portugal, é assim na
África do Sul, por exemplo, sem por em causa a boa vontade dos capitães
de Abril e de Mandela.
Apesar de alguns avanços registados por esses
povos, a verdade manda dizer que o poder passou a ser partilhado por uma
elite de novos senhores originários da luta (que a traíram) e pelos
antigos opressores, sobrando para o povo e as massas trabalhadoras pouco
mais que votar de x em x tempo. Não admira portanto, que toda essa
casta de velhos e novos burgueses se congratulem com os actos de
tolerância e boa vontade (que eles não têm nem praticam, ver por exemplo
o que se passou no Chile e o que se passa com Israel), porque sabem ser
esse o caminho para retornarem ao poder, seja de forma clara ou
camuflada.
Não estou com isto a defender banhos de sangue. Antes,
julgamentos sérios, rigorosos e justos de forma a condenar exemplarmente
quem praticou ou apoiou actos de tortura e assassinatos. Isto sim, na
minha modesta opinião, chama-se JUSTIÇA. Assassinos como Pieter Botha,
Eugéne Terre Blanche ou Dirk Coetzee, na África do Sul ou o aparelho
fascista e a sua polícia política, a Pide, em Portugal deveriam ter sido
justamente condenados, e não toda a palhaçada a que assistimos de
perdões, falta de prova, fugas, etc.
Dir-me-ão que essa é toda a
diferença entre os ditadores e os lutadores pela liberdade. Pode até
ser. O certo é que aquele que alegadamente deu a outra face morreu
crucificado e os seus algozes continuaram impunes e esse gesto, que
saiba, não trouxe nada de positivo quer aos movimentos de libertação
nacionais, quer mais amplamente à luta dos trabalhadores. Nalguns casos
serviu apenas para as classes dominantes se travestirem de “democratas” e
amantes da liberdade, mas que continuaram ou acentuaram a exploração ao
mesmo tempo que vão impondo mundialmente as suas regras chegando ao
ponto de quem as não aceitar será perseguido, bloqueado economicamente
ou até bombardeado.
Chamar-me-ão insensível, demagogo ou o que bem
entenderem. Estão no vosso direito. Não sou um pensador nem tenho
pretensões a isso, sou um simples trabalhador desempregado e isto é o
que penso e sinto.
(Dez.2013 JLV)
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