Doentes e grávidas de dezenas de povoações a sudoeste da Guiné-Bissau arriscam a vida em canoas e trilhos para chegar ao Hospital de Catió.
O isolamento quase total é um dos estigmas da região de Tombali, a
mais afetada pela epidemia de Cólera no país, que desde março já matou
24 pessoas de um total de 379 casos, segundo dados do Ministério da
Saúde guineenses e da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Sem pontes, nem estradas, nem barcos mais fiáveis, a piroga é ainda
hoje a única forma de atravessar os canais lodacentos desde o sudoeste
até à capital da região, por vezes na escuridão da noite e sob
tempestade, testemunhou a Lusa num cais rudimentar, ao tentar embarcar
numas destas travessias.
Um pequeno motor esforça-se por empurrar a embarcação, que avança à
vista, sem quaisquer outros sistemas de navegação ou auxílio.
À noite, cabe a quem lá viaja, gritar "para a esquerda" ou "para a
direita", para evitar as margens e bancos de lodo, explicava um dos
passageiros que tentava também entrar na canoa para uma viagem noturna -
aproveitando a maré -, entretanto cancelada devido a uma tempestade
mais forte.
Mesmo para as aldeias que não estejam cercadas por canais e braços de
mar, chegar ao hospital é difícil, porque Catió está praticamente
isolada do resto do mundo - e sem eletricidade, como o resto do país,
incluindo a capital.
Aqui e ali, um ou outro gerador são a exceção, na casa do governador,
na rádio comunitária, na missão católica, nos retransmissores das redes
de telemóveis e no hospital, equipado também com painéis solares.
Há um único caminho em terra batida que liga Catió a Buba, 60
quilómetros a nordeste (onde já há alcatrão até Bissau), que demora duas
horas a percorrer num desconforto permanente e que na época das chuvas,
entre maio e outubro, chega a ficar intransitável.
(FOTO WEB) |
Mesmo as viaturas todo-o-terreno são vencidas por zonas do velho
trilho que se transformam em pântanos, ou por outras que são invadidas
por correntes e onde nascem lagos que tudo engolem
Ao longo do percurso de terra vermelha e castanha, de mato e floresta
virgem, vão surgindo aldeias que, não fossem as roupas e os telemóveis
de quem ali vive, pareceriam pertencer aos primórdios da história.
Na época das chuvas, é comum encontrar velhas carrinhas atoladas, rodeadas pelos passageiros que as tentam desencalhar.
São viaturas sobrelotadas de gente e de carga até sobre o tejadilho,
usadas como transporte coletivo e que vão avançando devagar, de
obstáculo em obstáculo, acreditando que é possível chegar ao destino.
Muitas têm nomes apropriados: "Só ku Deus" (expressão em crioulo que significa "Só com Deus") ou "Fé e coragem".
(in: lusa)
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