Os representantes especiais da ONU e da CEDEAO na Guiné-Bissau advertiram as autoridades de transição guineenses que o Conselho de Segurança poderá impor sanções caso continuem as violações dos direitos humanos no país.
A advertência vem contida numa carta enviada ao Presidente de transição
da Guiné-Bissau, Serifo Nhamadjo, datada de 19 de setembro e a que a
Lusa teve hoje acesso, intitulada "Situação dos Direitos Humanos" e
assinada pelos representantes especiais do secretário-geral da ONU, José
Manuel Ramos-Horta, e do presidente da Comissão da Comunidade Económica
dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), Ansumana Ceesay.
"Temos de deixar aqui expresso que, a verificar-se a continuação
desses actos de abuso de poder, prepotência e violação de direitos
humanos, o Conselho de Segurança accionará os mecanismos para sancionar
as instituições e/ou individualidades, civis e militares implicadas",
lê-se na carta.
A missiva começa por "notar os avanços" registados pelo processo de
transição nos últimos meses "graças ao empenho das autoridades de
transição", para passar logo de seguida a manifestar "preocupação com
alguns casos públicos de violações dos direitos humanos, nomeadamente
restrições à liberdade de imprensa e de expressão e atentados à
integridade física dos cidadãos que embora não consubstanciem violações
sistemáticas dos direitos humanos são preocupantes".
A carta aponta "alguns discursos inflamados proferidos por membros
das forças de Segurança e Defesa, interrogatórios a jornalistas e
espancamentos", que "têm criado um clima de medo generalizado".
Ramos-Horta e Ceesay sublinham que também o representante especial e
chefe do gabinete de ligação da União Africana na Guiné-Bissau, Ovídio
Pequeno, e os chefes de missão da União Europeia - Portugal, Espanha e
França - se associam à carta.
A tomada de posição refere os casos que têm vindo a público, como o
"espancamento do músico" Marcelino Morgado, mais conhecido por Masta
Tito, no passado dia 29 de agosto, ou, no mesmo dia, a "audição e
intimidação por mais de cinco horas do presidente da Liga Guineense dos
Direitos Humanos, Luís Vaz Martins, na Brigada de Homicídio da Polícia
Judiciária", por a sua organização ter afirmado estar viva a cidadã
guineense expulsa de Cabo Verde, Enide Tavares, que o chefe das Forças
Armadas do país, António Indjai, havia afirmado ter sido morta em Cabo
Verde.
A carta aponta ainda o caso do comentador do programa "Caminhos para o
Desenvolvimento", da Rádio Bombomlom FM, Justino Sá, "interrogado
durante dois dias pelos Serviços de Contra-Inteligência Militar por ter
emitido uma opinião" sobre declarações do chefe de Estado Maior e as
promoções dos oficiais superiores das Forças Armadas (situação ocorrida a
13 de setembro).
"Acresce que casos mais antigos continuam impunes e contribuem para
este sentimento de insegurança, como por exemplo, os assassinatos
ocorridos em Bolama na sequência dos acontecimentos de 21 de outubro de
2012, a morte de Luís Ocante da Silva, os espancamentos de Silvestre
Alves e Iancuba Injai e vários outros casos de intimidação a cidadãos,
em particular a jornalistas".
"Estes actos de prepotência com envolvimento alegado de alguns agentes
afetos aos serviços de defesa e segurança, além de consubstanciarem
violação flagrante dos princípios do Estado de Direito Democrático,
contribuem significativamente para agravar ainda mais a imagem negativa e
a credibilidade externa do país", acrescentam.
Frisando o empenho da comunidade internacional no apoio à
Guiné-Bissau para sair "definitivamente das cíclicas crises
político-militares", os representantes especiais pedem aos responsáveis
políticos guineenses para que "assumam plenamente as suas
responsabilidades, respeitando escrupulosamente os direitos e liberdades
fundamentais dos cidadãos como fundamento e limite do Estado".
A carta apela "às chefias das instituições de segurança do Estado --
implicadas nesta longa lista de abusos de poder e violações graves de
direitos humanos -- para que cessem definitivamente estas práticas, que
em vez de protegerem a segurança do Estado estão, pelo contrário, a
minar e destabilizar o próprio Estado".
A 21 de setembro, num discurso por ocasião da celebração do Dia
Internacional da Paz, em Bissau, José Ramos-Horta apelou a uma mudança
de comportamento das forças de segurança e militares para que haja "paz
duradoura" no país.
Nesse discurso, o representante da ONU pediu o fim da "prepotência
dos serviços de inteligência civis e militares" e o fim da "arrogância
de quem tem armas" e "interrompe a democracia".
Hoje, a Liga Guineense dos Direitos Humanos anunciou que vai
apresentar uma queixa contra o Estado da Guiné-Bissau junto do Tribunal
da Justiça e Direitos Humanos da CEDEAO, de que a Guiné-Bissau faz
parte, por "negligência de Estado" por não garantir "segurança aos
cidadãos".
A ação surge na sequência de actos de violência indiscriminada
praticados por homens armados, na noite de quarta para quinta-feira,
contra a população de bairros periféricos de Bissau.
O primeiro-ministro e o Presidente interino da Guiné-Bissau foram
depostos num golpe de Estado militar em abril de 2012, quando decorriam
eleições presidenciais.
O país passou a ser gerido por um Governo e Presidente de transição
até novas eleições gerais, que estão marcadas para 24 de novembro, mas
que a generalidade das instituições nacionais e internacionais admite
que venham a ser adiadas devido a atrasos nos preparativos.
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