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Joseph Pulitzer

domingo, 5 de janeiro de 2014

Requien: Guiné-Bissau e Portugal: estamos “condenados” a entender-nos

Ao longo destes meses, não fomos nós, guineenses, que tomámos atitudes hostis ou conducentes a um esfriar de relações entre os nossos países.


Sejamos claros: a Guiné-Bissau e Portugal estão “condenados” a entenderem-se. É muito mais o que histórica e afectivamente nos une que o que pontualmente nos possa episodicamente separar. E isso é algo que nós, responsáveis políticos de ambos os países, temos obrigação de ter presente na nossa actuação, mesmo quando por vezes, em defesa dos interesses e das razões que assistem os nossos países, temos de aqui e ali falar mais alto ou de forma mais firme.
Mas uma coisa é defender os interesses que são nossos, expor as nossas razões e argumentos e exercer o legítimo direito à indignação; outra coisa é sermos permeáveis a interesses que não os nossos, virarmos costas aos princípios e sermos porta-vozes de outrem.

Vem isto a propósito do facto de ter existido quem, nos últimos dias, se tenha mostrado incomodado, quando não mesmo até aparentemente chocado, com a forma veemente como me vi forçado a defender a posição do meu país e o modo como levámos a cabo uma investigação célere e até agora conclusiva do incidente que ocorrido com o avião da TAP no aeroporto de Bissau. Existe um ditado popular bem português que resume o sentimento dos guineenses no que diz respeito à verdadeira onda de mentiras, falsidades e até calúnias que se tem dito e escrito a propósito desse incidente – “quem não sente não é filho de boa gente”.

Ninguém que seja responsável, que tenha conhecimento do que realmente se passou com o embarque em Bissau dos 74 cidadãos sírios com destino a Lisboa podia ficar impávido e sereno perante a verdadeira campanha orquestrada que levou a que autoridades portuguesas, algumas até com vasta e reconhecida experiência política, sem que os factos tivessem sido ainda apurados e sem que tenham recolhido a informação minimamente exigível, se precipitassem em declarações que sou obrigado a rotular como francamente infelizes.
Ao longo destes meses, não fomos nós, guineenses, que tomámos atitudes hostis ou conducentes a um esfriar de relações entre os nossos países. Aliás sempre nos habituámos, mesmo nos momentos mais difíceis, a encontrar em Portugal um parceiro seguro na resolução dos nossos conflitos internos. Não é preciso recuar muito. Basta lembrarmo-nos o que se passou em 1998, aquando da guerra civil, e do papel fundamental que então o governo português e nomeadamente o seu ministro dos Negócios Estrangeiros Dr. Jaime Gama desempenhou. E como o fez – sem paternalismos, com um sentido de Estado e com uma sensibilidade e tacto irrepreensíveis e notáveis!

Curiosamente este governo – e acreditem que foi uma surpresa para mim que conheço bem alguns dos seus principais “actores” – fez exactamente o contrário, preferindo tomar partido por uma das partes (no caso por um ex-primeiro ministro em cujo governo e sem que tenha ocorrido qualquer inquérito ou pedido de investigação foi assassinado um Presidente da República em exercício e democraticamente eleito, dois chefes do Estado-Maior General das Forças Armadas e vários políticos que se lhe opunham) e virando-nos as costas, pouco ligando aos interesses que são objectivamente os de Portugal e quebrando assim laços de séculos, numa atitude que ainda hoje, por muito que tente, não consigo entender.

Mas apesar disso – do governo português ter optado por cortar todas as “pontes” com vista a algum diálogo – o governo de transição da Guiné-Bissau (que recorde-se, integra todas as forças políticas guineenses, incluindo o próprio PAIGC do primeiro-ministro deposto) esteve totalmente disponível para conversar com Portugal, obviamente em plano de igualdade e respeito mútuo. Por diversas vezes e vias tentámos chegar à fala com diversos responsáveis da cena política portuguesa. Eu mesmo, durante as minhas passagens por Lisboa, desenvolvi diligências no sentido de encontrar-me, a nível particular e sem qualquer divulgação pública, com os meus homólogos; com um secretário de Estado da Cooperação; e com representantes do primeiro-ministro e do Presidente da República a quem mostrei a intenção de expor o nosso ponto de vista sobre o que efectivamente se passa na Guiné-Bissau, esclarecer qualquer dúvida que pudesse existir e colher opiniões que nos pudessem ser úteis neste processo de transição. A única resposta que obtive, por interposta pessoa, foi do secretário de Estado, que me comunicou a disponibilidade de um responsável do Instituto Camões em receber-me. Como se o objectivo da conversa que eu pretendia ter fosse discutir a entrada em vigor do Acordo Ortográfico ou qualquer coisa do género...

Tem-se dito e escrito muitas mentiras sobre a Guiné-Bissau. Há quem se tenha deixado “embarcar” em campanhas que servem interesses que não são portugueses e que apenas utilizam Portugal como pretexto e instrumento. E isso a mim, particularmente a mim – que aqui vivi cerca de 30 anos, aqui estudei e onde me ligam especiais laços a vários níveis – causa-me muita pena, até porque conheço bem algumas das pessoas que se deixaram instrumentalizar, sendo isso um péssimo serviço que estão a prestar a uma história e um percurso de séculos que temos em comum e que, embora aqui e ali possa ter sido marcado por alguns desentendimentos, soubemos sempre ultrapassá-los e superá-los. Como estou certo iremos ultrapassar e superar rapidamente. Exactamente em nome dessa mesma história e percurso que temos em comum! É esse o nosso desejo e sei – tenho a certeza – é o desejo dos nossos Povos.

Ministro de Estado e da Presidência, porta-voz do Governo de Transição da República da Guiné-Bissau (Fernando Vaz)
(in: publico 5/1/2014)

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