O recente episódio que envolveu um grupo de cidadãos sírios, aparentemente refugiados, provenientes da Guiné-Bissau veio recolocar na agenda política o fracasso internacional da viabilização enquanto “Estado” daquele pequeno território na costa ocidental africana.
Minado por grupos de
interesses sustentados no crime organizado, desde o tráfico humano até
ao narcotráfico, a situação interna na Guiné-Bissau não tem parado de se
degradar desde o golpe militar de Abril de 2012.
Hoje, os traços
constituintes de um Estado moderno enquanto modelo de organização humana
praticamente desapareceram da sociedade guineense ou do que dela resta.
De Estado Pária a Estado Falhado, sobrevivendo do crédito internacional
de emergência e da ajuda externa corrente, a Guiné-Bissau
transformou-se nos últimos anos num não-Estado controlado pelo poder do
narcotráfico, fruto da sua situação geoestratégica nos circuitos
internacionais do tráfico de droga provenientes da América Latina e da
aliança entre os poderes locais dominantes e os narcoexportadores
latino-americanos.
Enquanto território, a Guiné-Bissau tem como
“marcas” a pobreza e a insolvência, marcas essas que lhe permitem
sobreviver no limiar da pobreza através de uma bolsa de doadores
internacionais, concedendo o espaço e o tempo necessários às elites
dominantes e seus parceiros internacionais para prosseguirem na senda do
enriquecimento ilícito.
O retrato actual do território condena-o a
cenários constantes de golpes e contra-golpes, causados não por
diferentes concepções políticas ou ideológicas mas por “guerras de
cartéis” em permanente negociação por quotas no submundo regional do
crime organizado.
É um facto que a comunidade internacional não
pode ser poupada à crítica. Se a situação económica da Guiné-Bissau
contribui para a sua irrelevância internacional, os actores
internacionais, em particular os multilaterais, continuam a insistir
numa lógica de ameaça e dissuasão quando tais iniciativas se têm
revelado ineficazes para a promoção de mudanças internas que
possibilitem a emergência a prazo de um Estado que garanta à população
as suas necessidades básicas e que assuma os compromissos internacionais
mais elementares.
É tempo, julga-se, de a comunidade
internacional, sob a bandeira da União Europeia, da Comunidade Económica
dos Estados da África Ocidental, da Comunidade de Países de Língua
Portuguesa, da União Africana e das próprias Nações Unidas, concertar
posições e tomar medidas imediatas de isolamento e sancionamento do
regime em vigor no território como condição prévia à refundação de um
Estado na Guiné-Bissau. A mobilização dos fora multilaterais
terá inevitavelmente de passar por Portugal, que ainda representa a
lusofonia em África, pela França, em nome da francofonia, e por um
conjunto de Estados da região cujas redes de influência política e até
religiosa na região poderão constituir um factor de mudança: Marrocos e
Senegal são dois casos de aconselhável envolvimento numa solução em
Bissau.
A Portugal cabe agora emitir os primeiros sinais fortes,
indo além do simbolismo das intenções e contribuindo assim, talvez
decisivamente, para a recriação de um Estado no território da
Guiné-Bissau.
(in:publico - Pedro Esteves)
Se Marrocos e Senegal se envolverem (ainda mais) só poderá ser para acabar de vez com os laços que ainda unem a Guiné-Bissau à esfera lusófona. Só poderá ser para servir os interesses da francofonia.
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