O Governo guineense acredita que hoje seria impossível haver autoridades do país a violar a lei e a obrigar uma tripulação a transportar dezenas de passageiros ilegais, como há dois anos, num voo da TAP entre Bissau e Lisboa.


“Penso que, neste momento, as pessoas estão mais consciente e reforçámos todas as medidas necessárias para que essa situação não volte mais a acontecer na Guiné-Bissau”, diz à Lusa o secretário de Estado dos Transportes, João Bernardo Vieira.

O funcionamento do aeroporto mudou, como tem constatado a Lusa: hoje há maior rigidez no acesso às diferentes zonas das partidas e chegadas e foi-se perdendo o hábito de guardas, seguranças ou outros funcionários pedirem “sumo” (dinheiro) a troco de pequenos favores ou só porque querem.

Os viajantes são interpelados em Bissau como noutros aeroportos da África Ocidental, mas não há nesta sub-região registo recente de um incidente tão grave como o de dezembro de 2013 – que até mereceu a condenação da alta representante da União Europeia, Catherine Ashton, e que riscou Bissau do mapa de rotas da TAP.

Sem ligação directa para Lisboa, sentiu-se o isolamento, em particular pelos doentes com tratamento em Portugal que entraram no martírio de escalas para lá chegar, e o país perdeu os correios e outros serviços logísticos para o resto do mundo.

Tudo porque a 10 de dezembro de 2013 a tripulação da companhia aérea portuguesa foi forçada pelas autoridades da Guiné-Bissau a transportar 74 passageiros sírios em situação ilegal, que pediram asilo político ao chegar a Lisboa.

Em Portugal, as investigações mostraram que pagaram milhares de euros para chegar à Europa sem vistos, num esquema que envolvia o Governo guineense, enquanto um inquérito em Bissau concluía que o ministro do Interior, Suka Ntchama, tinha dado a ordem de embarque forçado.

“Houve, de facto, uma intervenção directa” do ministro guineense, que alegou “motivos de segurança interna” para exigir o embarque dos sírios, mas “não houve coação, nem física, nem armada em relação à tripulação”, concluíram as averiguações.

Até hoje ninguém foi punido pelo sucedido, mas sobre isso João Bernardo Vieira nada acrescenta: é uma parte do assunto que “compete à Justiça”, refere.

O incidente foi classificado como uma “bomba diplomática” pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, Delfim da Silva, que viria a pedir a demissão na sequência do sucedido.

“Ficámos muito mal na fotografia”, diz hoje à Lusa, Luís Cabral, actual secretário de Estado da Administração Interna e que na época viu tudo como cidadão.

O governante faz questão de recordar que, na altura, o país estava entregue a um Governo de transição – na sequência do Golpe de Estado militar de 2012 – que nem sequer era reconhecido pela maioria da comunidade internacional.

“Com um Governo de transição, a legitimidade é muito limitada, mas agora, com um Governo eleito, nós vamos fazer todos os possíveis para que esse ato não se repita”, sublinha.

Luís Cabral dá conta desta convicção à Lusa no final de uma ação de formação realizada em novembro, em Bissau, dirigida pela polícia portuguesa a 20 elementos, metade do efectivo da Guarda Nacional responsável pela segurança aeroportuária.

“As nossas estruturas são frágeis e nós precisamos de apoio para as reforçar. Razão pela qual este curso é muito importante. Temos que ter forças de segurança ao mais alto nível para enfrentar os desafios do momento” e para isso é preciso haver “sempre, sempre formação”, destaca Luís Cabral.

A acção realizada em novembro foi calendarizada depois de assinado um protocolo entre Portugal e a Guiné-Bissau em 2014 para sanar o incidente, prometendo o novo Governo eleito em Bissau (empossado em julho) garantir condições de segurança ao aeroporto.

As garantias foram aceites e a TAP anunciou a retoma dos voos entre Lisboa e Bissau para outubro de 2014, mas acabaria por voltar atrás, alegando baixa procura.

Os voos directos entre as duas capitais voltaram a ser feitos desde 14 de novembro do último ano por uma companhia privada portuguesa, a Euroatlantic, e há mais companhias a fazer a ligação, mas com escala noutros aeroportos.

“A TAP poderá vir quando quiser, quando assim entender”, realça João Bernardo Vieira, que classifica a companhia como “um parceiro tradicional da Guiné-Bissau”.

O governante vai mesmo mais longe e acrescenta que “os passageiros guineenses têm quase uma ligação de afectividade com a TAP”.

Luís Cabral acrescenta que os passos têm vindo a ser dados para credibilizar a segurança aeroportuária.

“A Guiné-Bissau é um país de hospitalidade. Temos que fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para as pessoas investirem aqui e isso requer a participação de todos”, conclui.

De acordo com os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portugal, em 2014 existiam 17.981 guineenses com estatuto legal de residente no país, sendo a sétima nacionalidade mais numerosa entre os imigrantes em terras lusas.

Por outro lado, segundo fonte das autoridades portuguesas, estima-se que existam entre 4.500 a 5.000 portugueses a residir na Guiné-Bissau.