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Joseph Pulitzer

domingo, 12 de julho de 2015

De que precisa, acima de tudo, o país ?

A pergunta é simples e admite múltiplas respostas. De que precisa, acima de tudo, a Guiné-Bissau? Fiz esta pergunta a vários guineenses na última semana, desde responsáveis governamentais a humildes trabalhadores, formais ou informais. A resposta, surpreendentemente, foi sempre a mesma: a Guiné-Bissau precisa, acima de tudo, de estabilidade política.


A surpresa desta resposta vem das óbvias carências de primeira necessidade que são visíveis assim que se aterra no aeroporto internacional Osvaldo Vieira. Depois do calor sufocante - a primeira sensação que assalta o visitante num Julho que tem trazido pouca chuva - é que tudo está por fazer. Mais uns dias passados em Bissau, a capital do país, só reforçam essa ideia. Estradas, pontes, organização administrativa, redes de telecomunicações, saúde, de tudo isto o país necessita, o que se agrava, na maioria dos casos, fora da capital. Mas não é disto que falam os guineenses. Eles sabem que qualquer investimento de curto prazo pode ser posto em causa se as forças políticas não se entenderem num quadro institucional de estabilidade. Como diz ao Diário Económico Domingos Simões Pereira, primeiro-ministro da Guiné-Bissau, ainda não se pode dar por garantida a estabilidade política (ver entrevista na página seguinte). 
 
O seu governo completou esta semana um ano de mandato, e esse marco foi vincado e celebrado nas conversas com as autoridades portuguesas. Não é para menos. A história da Guiné-Bissau, desde a independência de Portugal, tem sido marcada por poucos avanços e muitos recuos. Entre golpes militares e crises políticas, ninguém aqueceu realmente o lugar ou, pelo menos, quis ou conseguiu implementar um plano de médio e longo prazo para o desenvolvimento do país. Já este mês, os receios voltaram, com as notícias de tensão entre o Governo e Presidente da República. O regime semi-presidencialista garante alguns poderes ao Presidente, mas o seu exercício ou o eventual abuso deles gera a reacção do Executivo. A poucos dias da chegada dos visitantes portugueses ao país, no entanto, o Presidente José Mário Vaz fez uma comunicação ao parlamento, pediu consenso e desanuviou o ambiente. Mas, num país traumatizado pelo passado recente, qualquer tensão entre Governo, Presidente e até o Presidente da Assembleia são vistos com receio e apreensão.

O potencial do país é óbvio, sobretudo nas áreas dos recursos agrícolas e do turismo, este último assente no renomeado destino das ilhas Bijagós. Mas falta investimento, público e privado, e falta também organização que torne produtivos os recursos naturais que já lá estão. Nos produtos agrícolas, os destaques são o arroz, as frutas como a deliciosa manga, ou o caju. O país já foi exportador líquido de arroz; hoje em dia, 40% do que consome é importado, algo que o governo quer atacar. O caju é referido como "o petróleo da Guiné-Bissau", pelo seu peso no PIB, sendo o país o quarto maior produtor mundial deste produto, mas o maior em termos per capita. No entanto, o caju é exportado a baixo preço, muitas vezes em fruto, não havendo transformação interna significativa da amêndoa de caju, que traria empregos locais e mais valor acrescentado na hora da venda. Também o mar é rico em peixe, mas é explorado por barcos internacionais e levado para outras paragens, não havendo estrutura para transformar o pescado na própria Guiné-Bissau.

Estas são três das quatro áreas definidas pelo governo como os "motores de desenvolvimento do país", um plano a 10 anos que serve de guião a quase todas as decisões estruturantes do Executivo. Para além da agricultura, das pescas e do turismo, o quarto motor são as minas, a exploração de recursos comprovados de bauxite e fosfato. Mas para tudo isso é preciso percorrer um caminho. Por um lado, o investimento em infraestruturas públicas, de forma a dar condições às empresas - locais mas sobretudo estrangeiras - de explorar os recursos, transformá-los e expedi-los eficientemente para outros mercados. Por outro, igualmente importante, é a criação ou revisão de leis que dêem segurança jurídica aos necessários investimentos de longo prazo.

No entanto, antes de qualquer coisa, é preciso que passe tempo. E que passe tempo sem sobressaltos políticos. Ou seja, a Guiné-Bissau é, em certa medida, um país que, neste momento, precisa que nada aconteça - a nível político - para que tudo o resto possa acontecer.

O raciocínio é simples
O potencial está lá, em termos de recursos e de mão de obra barata (ainda que não qualificada). Mas ninguém investe num armazém ou numa empresa correndo o risco de, daqui a um ano, o poder mudar, eventualmente de forma "musculada", e a empresa ou o armazém já não serem seus, mas de um qualquer general que ganhe vantagem momentânea. Sem resolver isto, sem dar esta confiança aos investidores internacionais, dificilmente a Guiné-Bissau beneficiará do fluxo de investimento transversal de que necessita.

Neste último fim de semana, o país recebeu várias autoridades portuguesas. A AICEP abriu a sua delegação em Bissau, como forma de fomentar os negócios privados entre empresas dos dois países, e na comitiva viajou uma dúzia de empresários à procura de oportunidades locais. A nível político, o Governo português deu um sinal inequívoco de apoio ao caminho actual. Com Pedro Passos Coelho viajaram também os ministros da Saúde e dos Negócios Estrangeiros, bem como a sua esposa Laura, que regressou brevemente ao país no qual nasceu. Em Bissau, Passos Coelho falou com todos os intervenientes institucionais decisivos, o Governo e o Presidente da República, e a todos passou a mesma mensagem: de apoio português ao caminho de estabilização, organização e planeamento que o país tem em curso.
 
A sintonia de ideias e o calor humano foi particularmente evidente nos contactos com o Governo local. Este, com vários membros com formação técnica obtida na Europa, está aparentemente focado no desenvolvimento a longo prazo, com metas realistas, e bem ciente que o investimento público previsto, sendo necessário, não vai de todo chegar para tudo o que é preciso fazer. Portugal retomou no último ano a presença diplomática ao mais alto nível na Guiné-Bissau, e a primeira visita oficial de Passos Coelho ao país veio selar a normalização de relações entre Portugal e a ex-colónia. Também os responsáveis guineenses sabem que o apoio institucional de Portugal é decisivo para a credibilização internacional da Guiné-Bissau, para além da ajuda directa que Portugal continua a prestar em áreas específicas, como a saúde e a segurança pública.

Pelas ruas, o que temos é uma população pouco qualificada em termos técnicos, mas empreendedora. Os mercados informais fervilham de vida, de pequenas transacções. Durante os cinco dias que estive em Bissau, contam-se pelos dedos de uma mão as vezes que encontrámos pedintes. Em vez disso, há a venda de produtos locais ou serviços, como a lavagem do carro sem o dono o pedir, por exemplo. A necessidade aguçou o engenho, e a população sabe como virar-se. É uma economia esmagadoramente informal, num país com um desemprego elevadíssimo e onde a pouca estabilidade laboral vem do trabalho para o Estado (e mesmo aí houve meses de salários em atraso). É também uma população muito amistosa, e não há sensação de insegurança nas ruas. Apesar de boa parte da população ter dificuldades em falar português, a nossa presença é incontornável, desde tudo o que é escrito (nomes de lojas, ruas, etc), ao edifício que em tempos albergou os CTT, fazendo lembrar qualquer posto de correios de uma vila portuguesa, há umas décadas. 
 
Mas se a presença portuguesa é natural, há outra que se impõe de forma mais inesperada, a chinesa. Várias grandes obras ficam a cargo de empresas chinesas, que levam da China navios inteiros para esse efeito, cheios até ao tecto de tudo o que é preciso: materiais de construção, mantimentos, homens. O novo estádio de futebol foi construído por chineses, e a placa que o identifica está ornamentada com dourados caracteres chineses. Também os palácios do Governo e do Presidente da República tiveram os mesmos autores. Em ambos, as identificações de saída e dos extintores estão também escritas em chinês. No palácio do Governo, à entrada, há até dois painéis decorativos em cerâmica, nos quais figuram pagodes, que não consta serem típicos da Guiné-Bissau. Do afamado narcotráfico, que supostamente controla o país, nem sinal, talvez por essa actividade se concentrar nas ilhas. A verdade é que, para os locais, esse é um não assunto. Não se vê, também, o choque de riqueza que se pode constatar em países como Angola. A pobreza é evidente, mas não há excessos explícitos no sentido oposto.

O que se vê, se sente e se ouve, é um povo que quer que os seus líderes estejam finalmente à altura das suas responsabilidades, e permitam à Guiné-Bissau entrar decisivamente no caminho que outros países africanos conseguiram. Levará tempo, não há petróleo comprovado para fazer explodir o PIB e trazer todos os investidores. Cada dia que passa conta. Cada dia em que as instituições funcionam, à luz das leis e em cooperação com a comunidades internacional, mais perto fica o país de começar a subir degraus. Sem isso, dificilmente os guineenses poderão ter os cuidados básicos de que necessitam e a prosperidade que, sem dúvida, merecem.

*Artigo publicado na edição de 10 de Julho de 2015 do Diário Económico
 
 
 
 
 
 

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